Camila Nunes precisa de um quarto extra em casa para acomodar as centenas de peças de roupas que tem – mais de duzentas são só de vestidos. Ela acumulou tudo isso ao longo de dez anos comprando compulsivamente. Nesse processo, fez uma dívida de mais de R$ 240 mil para manter o vício. Hoje, em tratamento, ela compartilha sua experiência com a doença nas redes e alerta sobre os perigos de comprar em excesso.
🛍️ Ela foi diagnosticada com oniomania, que, embora não seja catalogada como uma doença, é reconhecida como uma compulsão. Segundo psiquiatras, o hábito de comprar pode se transformar em vício, levando a crises descontroladas, pensamentos obsessivos e envolvimento em mentiras e dívidas para sustentar o comportamento.
Uma vez, cansada de comprar, cortei meu cartão de crédito. Mas não aguentei. No dia seguinte, fui até uma loja de bolsas e pedi que tentassem passar o cartão, mesmo cortado. Disse que meu sobrinho tinha quebrado sem querer, o que era uma mentira. Deu certo e acabei levando três bolsas iguais, mas de cores diferentes.
— Camila Nunes, compradora compulsiva.
A goiana conta que, por ser normal e até estimulado, o hábito de comprar fazia com que sua compulsão passasse despercebida por anos, apesar de ela acumular mais roupas, sapatos e acessórios do que conseguiria usar ao longo da vida toda.
🛍️ Hoje, ela tem 65 calças jeans, 200 vestidos, 112 camisetas e 109 conjuntos de roupa íntima, além das mais de 260 peças que já havia vendido em um brechó para tentar diminuir a dívida. Muitas dessas peças nunca foram usadas.
🚨 Camila só percebeu que havia algo descontrolado em seu hábito de compras quando se viu presa em mentiras para justificar os gastos e esconder os inúmeros empréstimos que não conseguia pagar. Foram mais de R$ 240 mil em dívidas para adquirir produtos dos quais ela já nem se lembra.
“Eu escondia as sacolas e embalagens pela casa. Produtos venciam de tanto que tinha acumulado do mesmo item. Para sustentar isso, eu precisava mentir para as pessoas e me esconder, porque sabia que meu comportamento durante as compras não era normal e não queria que os outros percebessem. Uma vez entrei em uma loja e comprei um par de sapatos de cada tipo que tinham. Isso é doença.
— Camila Nunes compartilha nas redes sua jornada com a oniomania.
Ela conta que nunca contabilizou o valor total gasto com as compras compulsivas, que faz há mais de vinte anos. A dívida é uma fatia do que não ficou em dia depois que foi demitida do trabalho, logo após a pandemia, e que enquanto isso mantinha cartões e empréstimos em dia, mesmo que gastando todo o salário em parcelas quase “infinitas”.
Camila Nunes convive com a compulsão por comprar — Foto: Reprodução/Instagram
Hoje, Camila compartilha nas redes sociais seu tratamento e o processo de destralhar o apartamento onde vive. Mostra as centenas de itens acumulados para ajudar outras pessoas que também enfrentam a compulsão por compras. Os vídeos, feitos com bom humor, registram um processo que já dura mais de cinco anos e trazem alertas para que as pessoas reflitam sobre seus próprios hábitos de consumo.
Comprar faz parte do nosso dia a dia. Não parece anormal ver pessoas em filas de lojas durante promoções ou a internet mobilizada para compras em datas como esta sexta-feira (29), quando ocorre a Black Friday no Brasil.
No entanto, especialistas explicam que essa “normalização” de compras em grandes volumes e a euforia pelo consumo podem mascarar comportamentos que, na verdade, são compulsivos.
A psiquiatra Danielle Admoni, supervisora da residência em psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), explica que a compulsão é uma doença e, no caso da oniomania, a compulsão é focada em comprar.
A compulsão é uma tentativa de preencher um vazio, superar uma tristeza profunda ou lidar com um trauma. Para isso, a pessoa compra, recebendo uma descarga de dopamina que gera felicidade momentânea. No entanto, esse efeito dura pouco e faz com que ela compre cada vez mais, em episódios descontrolados. Depois, tudo isso se transforma em culpa.
— Danielle Admoni, psiquiatra e supervisora da residência em psiquiatria da Unifesp.
O psicólogo Maico Costa, professor do Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Albert Einstein, explica que a compulsão funciona como um vício: a pessoa começa comprando mais do que deveria e, sem perceber, isso vai aumentando até que passa o dia inteiro pensando em compras, aproveitando qualquer tempo disponível fazer isso.
“A compulsão pode evoluir a ponto de a pessoa deixar de dormir para fazer compras ou passar horas navegando em lojas online durante a noite. Ela perde o controle, adquirindo cinco ou seis produtos iguais, apenas em cores diferentes. É um comportamento incontrolável, que exige ajuda para ser tratado”, reforça.
Camila acumulou dezenas de batons da mesma cor em crises de compras compulsivas — Foto: Reprodução/Instagram
Ele reforça que a maior parte das pessoas só percebe quando está muito endividada e acaba achando que o problema é que não sabe lidar com o dinheiro, quando na verdade está lidando com episódios de compulsão.
🛍️ E como saber se os seus hábitos de compras são compulsivos? O que os médicos explicam é que é preciso avaliar vários fatores, mas listaram algumas perguntas para você refletir os seus hábitos de compras.
- Você compra itens iguais ou parecidos?
- Já gastou mais do que podia pagar?
- Já fez empréstimos ou pediu dinheiro a amigos e familiares para quitar dívidas de compras?
- Passa horas à noite navegando em lojas online?
- Já mentiu ou escondeu sacolas de compras?
- Costuma comprar para aliviar tristeza, estresse ou preocupações?
- Sente culpa após realizar compras?
🚨ATENÇÃO: Não há um gabarito para essas respostas, mas o que os especialistas explicam é que é importante reavaliar o comportamento, observar o que você tem acumulado e como se sente depois de comprar.
Danielle Admoni, psiquiatra, acrescenta que, além da compulsão, é preciso também cuidado com as compras por impulso, como as feitas em datas como a Black Friday. Nesses momentos, há um movimento coletivo por compras e isso pode ajudar a observar a relação com comprar.
“Antes de finalizar uma compra, deixe o item no carrinho e reflita se realmente precisa dele. Veja se consegue esperar para comprar ou se isso te incomoda. Pergunte-se se está comprando porque todos estão fazendo isso ou se é uma oportunidade para algo que você realmente deseja ou necessita. E observe como se sente depois”.