Nos últimos anos, os influenciadores digitais se tornaram protagonistas no cenário de consumo global, moldando preferências, estilos de vida e, consequentemente, a tomada de decisões de seus seguidores. Com o crescimento exponencial de plataformas digitais e redes sociais, o impacto dessas personalidades vai além da recomendação de produtos e serviços; influencia diretamente a formação da vontade dos consumidores, muitas vezes de forma irracional. Esse fenômeno levanta uma série de questões jurídicas, sobretudo no que diz respeito à proteção do consumidor, à transparência nas práticas de publicidade e à responsabilidade dos influenciadores e marcas envolvidas.
1. O Papel dos Influenciadores na Formação de Vontade dos Consumidores
A atuação dos influenciadores se caracteriza pela capacidade de gerar conexões emocionais e de confiança com seu público, promovendo uma relação de proximidade e credibilidade. Essa influência se reflete diretamente no comportamento de consumo, especialmente pela maneira como os influenciadores apresentam produtos e serviços como parte de seu cotidiano. Estudos de marketing e comportamento do consumidor mostram que, muitas vezes, o público tende a tomar decisões de compra com base em um processo mental impulsivo e emocional, ao invés de um raciocínio lógico e racional. Essa “irracionalidade” é fomentada pela sensação de familiaridade e confiança que o influenciador cria, o que diminui o senso crítico do consumidor na hora da escolha.
2. A Irracionalidade na Tomada de Decisão dos Consumidores
O processo de tomada de decisão do consumidor, segundo a psicologia cognitiva e comportamental, envolve uma série de fatores que fogem à racionalidade completa. Influenciadores são experts em estimular esse comportamento através de gatilhos emocionais e sociais, como a aprovação social (produtos populares entre muitos seguidores), a autoridade (posicionamento como especialistas em determinadas áreas) e a reciprocidade (quando oferecem algo em troca de uma compra ou ação). Esses gatilhos criam um ambiente de decisão em que o consumidor muitas vezes adquire produtos ou serviços sem avaliar, de forma consciente, sua real necessidade ou valor.
Essa potencial irracionalidade se reflete, portanto, na distorção da autonomia do consumidor. As escolhas são impulsionadas por fatores emocionais em vez de racionais, o que pode resultar em compras impulsivas e, eventualmente, na insatisfação com o produto ou serviço. Isso nos leva a um questionamento relevante: até que ponto essa atuação dos influenciadores deve ser regulada para proteger o consumidor?
3. Aspectos Jurídicos da Atuação dos Influenciadores na Publicidade A regulamentação da publicidade praticada por influenciadores digitais é uma questão emergente no Brasil e no mundo. No Brasil, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabelece que as práticas comerciais devem ser claras, transparentes e não enganosas.
Além disso, a publicidade deve ser identificada como tal para que o consumidor tenha plena ciência de que se trata de um conteúdo patrocinado.
Um dos grandes desafios jurídicos em relação à atuação dos influenciadores é justamente a transparência. Muitas vezes, as publicidades não são claramente sinalizadas, e o seguidor, confiante na autenticidade da relação estabelecida com o influenciador, não percebe que está sendo conduzido a uma decisão de compra guiada por interesses comerciais. A falta de clareza pode configurar publicidade enganosa, o que é vedado pelo CDC, podendo levar à responsabilização não apenas do influenciador, mas também das marcas envolvidas.
O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR), no Brasil, tem atuado para fiscalizar essas práticas e garantir que as publicidades digitais sejam devidamente identificadas. O uso de hashtags como #publi ou #ad se tornou obrigatório em muitos casos, com o objetivo de deixar claro para o público que o conteúdo é patrocinado. No entanto, muitos influenciadores ainda utilizam estratégias sutis para evitar essa sinalização, o que coloca o consumidor em uma posição vulnerável.
4. Responsabilidade Civil dos Influenciadores e Marcas
A responsabilidade civil no contexto da atuação dos influenciadores é um ponto central dos aspectos jurídicos em análise. Em casos de publicidade enganosa ou de produtos com qualidade inferior, tanto o influenciador quanto a marca podem ser responsabilizados. O influenciador, ao recomendar produtos e serviços sem transparência ou sem fazer a devida diligência sobre a qualidade dos itens, pode ser visto como um agente ativo na violação dos direitos do consumidor.
Além disso, o Código de Defesa do Consumidor prevê a teoria da responsabilidade solidária, ou seja, tanto o fornecedor (marca) quanto o influenciador podem ser acionados judicialmente em caso de danos ao consumidor. Essa responsabilidade solidária cria uma pressão maior sobre os influenciadores, que precisam adotar boas práticas ao divulgar produtos e serviços, verificando sua idoneidade e qualidade antes de promover qualquer parceria.
5. Transparência e Ética na Publicidade Digital
Outro aspecto jurídico relevante é o da ética na publicidade digital. O influenciador precisa ser ético ao promover produtos e serviços, zelando pela confiança depositada por seu público. A falta de transparência e a indução ao consumo por meio de artifícios emocionais podem ser considerados abusivos, especialmente quando o consumidor é levado a acreditar que a recomendação é desinteressada e autêntica.
Nesse sentido, a adoção de políticas de compliance por marcas e influenciadores é uma tendência necessária. A criação de diretrizes internas para garantir que as publicidades sejam realizadas de forma ética e transparente pode ajudar a mitigar riscos legais e proteger a reputação das marcas e dos influenciadores. Esse tipo de controle também é essencial para adequar as práticas de marketing às exigências legais, como as previstas no CDC e nas orientações do CONAR.
Conclusão
A atuação dos influenciadores digitais tem um impacto profundo na formação da vontade dos consumidores, muitas vezes estimulando um processo mental irracional de tomada de decisões. Esse fenômeno, aliado ao poder das redes sociais, torna essencial a análise de aspectos jurídicos relacionados à transparência, responsabilidade civil e ética na publicidade digital.
Por: Dra. Ana paula Demilio