Os desafios enfrentados por pessoas com deficiência (PcDs) no mundo corporativo é um tema que precisa ganhar notoriedade tanto nas mídias quanto nos backoffices das empresas. Um movimento de mudança já está em curso, mas fomentar o debate para que, na prática, as pessoas PcDs sejam respeitadas desde a abertura da vaga é algo que precisa ser estabelecido em todas as empresas.
Deives Picáz é uma presença fundamental neste artigo, pois oferece uma narrativa rica em conhecimento e vivência como homem com deficiência. Ele sabe o quanto ainda precisamos avançar no letramento sobre o tema no meio corporativo, e atua ativamente para que essa transformação aconteça de forma consciente e incessante.
Publicitário formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Deives também é palestrante e uma referência em diversidade e inclusão. É membro do Comitê Consultivo do Educa2030 — movimento do Pacto Global da ONU. Picáz nasceu com uma deficiência física chamada agenesia de membros e atua nas redes sociais como criador de conteúdo, conscientizando pessoas e empresas sobre a importância da inclusão no setor corporativo.
“A inclusão de pessoas com deficiência (PcDs) no setor corporativo tem sido pauta constante em campanhas de marketing, relatórios de ESG e discursos de liderança. Mas, quando as luzes dos vídeos institucionais se apagam, o que sobra? A realidade ainda é marcada por contratações obrigatórias, falta de acessibilidade, capacitismo e pouca representatividade em cargos de liderança”, afirma Picáz.
O verdadeiro obstáculo não está apenas na falta de acessibilidade, mas também na falta de compreensão da sociedade sobre a capacidade e a autonomia que pessoas com deficiência têm para executarem as mais variadas funções.
“Eu sempre soube que entrar no mercado de trabalho sendo uma pessoa com deficiência seria desafiador. Mas nada me preparou para o que vivi na minha primeira entrevista de emprego. Não foi só a falta de acessibilidade física ou de preparo da equipe recrutadora. Foi a sensação de que eu não era visto como um talento, mas apenas como um número para cumprir a cota e livrar a empresa de uma multa. Ali, entendi que o problema era muito maior — era estrutural”, enfatiza o comunicador.
Em 2023, Deives participou do Fórum de Empresas e Direitos Humanos da ONU, em Genebra — sendo o único brasileiro de seu painel. Essa experiência o motivou a criar a empresa Inclusão do Zero, uma solução voltada à capacitação de lideranças e recrutadores em acessibilidade, equidade e inclusão.
“A Inclusão do Zero é uma capacitação pensada exatamente para empresas que querem fazer diferente, mas não sabem por onde começar. Um projeto construído com base em vivências reais, que une conscientização, formação e prática, ajudando equipes e lideranças a olharem para a inclusão de pessoas com deficiência de forma mais humana, estratégica e transformadora”, ressalta Deives.
Estamos em um momento decisivo: precisamos encontrar soluções para não desperdiçar talentos, sair da bolha e alcançar novas potências. A proposta de Deives deve ser vista como uma ferramenta estratégica pelas instituições, promovendo metas escaláveis que fortaleçam ações afirmativas e o cumprimento das leis já existentes, como a Lei de Cotas nº 8.213/91, que determina que empresas com 100 a 200 funcionários destinem 2% das vagas a pessoas com deficiência, e aquelas com mais de 1.000 funcionários, 5%.
“As vagas afirmativas são de extrema importância, mas precisamos de processos seletivos mais preparados, humanos e acessíveis. Na minha primeira entrevista de emprego, saí frustrado com a abordagem da recrutadora, que, ao ver minha deficiência, duvidou da minha capacidade para ocupar a vaga para a qual eu estava qualificado. Lembro – me da pergunta dela, direta e insensível: ‘Você sabe digitar?’ Acredito que esse dia tenha marcado minha vida e me inspirado a fazer a diferença, para que outras pessoas com deficiência não passem por isso”, relembra o publicitário.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 18 milhões de brasileiros com algum tipo de deficiência estão em idade ativa para o trabalho. Porém, de acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), apenas cerca de 500 mil estão formalmente empregados.
“Olhar para tudo aquilo como uma oportunidade me fez chegar até aqui. Ao invés de me limitar ou me calar diante daquela experiência frustrante, escolhi transformar. Se o setor corporativo não sabia como lidar com a diversidade de corpos, histórias e vivências, talvez fosse porque a estrutura social limitou a informação, a conexão humana, a empatia e a escuta ativa”, ressalta Deives.
Incluir vai muito além de preencher uma cota. É reconhecer o valor, o talento e o potencial de cada pessoa, e abrir espaço para que todas tenham acesso a oportunidades. Transformar os ambientes corporativos para que a vivência das pessoas com deficiência no local de trabalho seja uma experiência agregadora e respeitosa é uma responsabilidade de toda a sociedade.
É como Deives disse: transformar empresas despreparadas em empresas que inspiram é uma missão que vale a pena.