- A onda verde na moda — e o vácuo jurídico que a acompanha
O conceito de moda circular — que prega redução de resíduos, reutilização de materiais, reciclagem e prolongamento do ciclo de vida dos produtos — deixou de ser tendência para se tornar exigência de mercado. Grandes grifes, marcas independentes e até fast fashion lançam linhas “eco-friendly”, “conscious”, “reimagined”.
Contudo, por trás dessas campanhas, há uma pergunta jurídica urgente:
O que, de fato, a marca está se comprometendo a fazer — e o que ela pode provar?
Sem respaldo técnico, documental e jurídico, essas iniciativas podem configurar greenwashing — prática considerada abusiva pelo Código de Defesa do Consumidor e passível de sanções administrativas, indenizações e danos irreparáveis à reputação.
- Greenwashing na moda: quando a sustentabilidade vira enganação
O termo “greenwashing” refere-se à estratégia de marketing que atribui qualidades ambientais falsas ou exageradas a um produto ou serviço. No setor da moda, manifesta-se em:
Alegações vagas: “eco-friendly”, “natural”, “sustentável” sem definição ou comprovação;
Selos não certificados ou autoatribuídos;
Fotos de natureza + modelos em campos — como se isso bastasse para validar a sustentabilidade;
Silêncio sobre impactos reais da cadeia produtiva (água, emissões, trabalho precário).
📌 Do ponto de vista jurídico, o art. 37, §1º, do CDC é claro:
“É abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeite valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.”
- Os 3 pilares jurídicos que toda marca “circular” precisa ter
Para evitar riscos, recomenda-se que as marcas estruturem suas ações circulares com base em três eixos jurídicos:
3.1. Comprovação técnica das alegações ambientais
→ Relatórios de ciclo de vida (LCA);
→ Certificações reconhecidas (GOTS, GRS, OEKO-TEX);
→ Documentação de fornecedores e matérias-primas.
3.2. Transparência contratual e publicitária
→ Evitar termos absolutos (“100% sustentável”, “zero impacto”);
→ Especificar escopo (“feita com 30% de algodão reciclado”);
→ Incluir ressalvas claras (“dentro dos limites tecnológicos atuais”).
3.3. Governança interna e compliance ambiental
→ Código de Conduta Ambiental;
→ Canal de denúncias para práticas irregulares na cadeia;
→ Auditorias periódicas — mesmo que voluntárias.
- Caso prático: quando a campanha viraliza… e a ação judicial também!
Imagine uma marca de moda jovem que lança uma coleção “Rebirth”, com forte apelo visual e frases como:
“Roupa que nasce de novo — e salva o planeta.”
“Zero resíduos. Zero culpa. Só amor.”
Se um consumidor ou órgão de defesa comprovar que:
→ As peças usam apenas 5% de material reciclado;
→ A produção gera emissões equivalentes às linhas tradicionais;
→ Não há qualquer certificação ou laudo técnico…
… a marca poderá responder por:
✔️ Publicidade enganosa (CDC);
✔️ Danos morais coletivos (Lei 8.078/90 + Lei 14.120/21 — que inclui dano ambiental no rol de danos extrapatrimoniais);
✔️ Suspensão das campanhas pela Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON).
- Conclusão: Sustentabilidade real começa com responsabilidade jurídica
A moda circular não é inimiga do lucro — é aliada da longevidade da marca. Mas para que seja legítima, precisa ser documentada, mensurável e auditável.
Não basta ter boas intenções. É preciso ter boas provas.
Advogados especializados em Fashion Law têm papel central nesse movimento: não para frear a inovação, mas para estruturá-la com segurança, ética e conformidade.
Às marcas: não tenham medo de serem verdes. Tenham medo de parecerem verdes — sem ser.