Entidades que lutam pela igualdade racial em Petrópolis, na Região Serrana do Rio, se manifestaram contra a estampa de uma camisa que traz duas mãos se tocando, uma de cor escura e outra de cor clara, além dos dizeres: “Não se contamine!”. Há ainda a inscrição de um versículo bíblico.
A roupa faz parte do catalogo de produtos de uma marca cristã da criadora de conteúdo, Brenda Sá. Em vídeo, ela e o noivo se arrumam dizendo que estão indo à igreja, vestindo a camisa com a estampa que foi lançada nesta semana. Logo após a publicação, internautas começaram a se manifestar, principalmente nas redes sociais, atribuindo à estampa uma conotação racista.
O Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial de Petrópolis (Compir) diz ter recebido algumas denúncias sobre a situação. Durante uma reunião do Conselho, realizada na última terça-feira (26), foi votada uma nota de repúdio contra a marca Criações Gêneses.
Um trecho da nota destaca que “tal representação simbólica é inaceitável e configura um ato de racismo, ferindo os princípios fundamentais de dignidade, igualdade e respeito que regem a nossa sociedade”.
O coletivo de educadores voluntários, o Educafro, que atua na inclusão da população negra nas universidades, manifestou indignação com o ato.
“Nosso coletivo de educação popular faz parte dos movimentos negros em Petrópolis, que lutam diariamente contra o racismo estrutural, sendo assim, vem a público manifestar sua máxima indignação com mais um ato racista que vivenciamos na cidade de Petrópolis. Dessa vez, praticado por uma marca de roupas, Gênesis, que exibe como estampa de uma camiseta a frase “Não se contamine!” junto à ilustração de uma mão de cor escura tocando uma mão branca que se contamina, em uma evidente associação racista que sugere a transmissão de sujeira ou contaminação pela cor”, diz um trecho da nota.
A Comissão de Igualdade Racial e a Comissão de Direitos Humanos da 3ª subseção da OAB, que atua em Petrópolis e São José do Vale o Rio Preto, também manifestaram repúdio.
“Tal mensagem é claramente ofensiva e discriminatória, perpetuando o racismo estrutural que tanto combatemos em nossa sociedade. A associação entre a cor da pele e a ideia de contaminação é uma afronta direta aos direitos humanos e um insulto à luta histórica e contínua pela igualdade racial. Em pleno século XXI, é inaceitável que ações publicitárias de cunho racista ainda encontrem espaço para circulação, seja por ignorância, descuido ou intencionalidade. A responsabilidade social de qualquer empresa inclui o compromisso de respeitar a dignidade humana e promover a inclusão, e não o oposto”.
As entidades entenderam que devem ser providenciadas as seguintes ações: a imediata retirada da propaganda de circulação em todos os meios de comunicação; um pedido público de desculpas por parte da empresa, assumindo a responsabilidade pelo ocorrido; a adoção de medidas concretas para combater práticas discriminatórias, incluindo a realização de treinamentos e consultorias em diversidade e inclusão; além da atenção das autoridades responsáveis pela tutela dos direitos humanos, cobrando a instauração de uma investigação rigorosa pelo Ministério Público e pela Polícia Judiciária para apurar possíveis responsabilidades civis, penais e administrativas.
Posicionamento da marca:
O g1 entrou em contato com a proprietária da marca, que enviou nota por meio do advogado Juarez Rodrigues Braga. A nota diz que a imagem seria de uma mão necrosada e que foi criada como uma metáfora da contaminação espiritual.
“A cor da mão necrosada não tinha a intenção de representar uma etnia específica, mas sim um estado de deterioração e impureza”, disse. Ela lamentou que a arte tenha sido interpretada de forma diferente da intenção original, e causado qualquer tipo de dor ou sofrimento.
Segundo o o advogado, a camisa não será mais comercializada e a proprietária não pretende usar as redes sociais para falar do assunto.
Confira o esclarecimento da marca na íntegra, enviado pelo advogado Juarez Rodrigues Braga:
“Prezados,
Gostaria de esclarecer a intenção por trás da minha arte. A imagem da mão branca e da mão necrosada foi criada para ilustrar o versículo de Daniel 11:21, como uma metáfora da contaminação espiritual. A cor da mão necrosada não tinha a intenção de representar uma etnia específica, mas sim um estado de deterioração e impureza.
Lamentavelmente, minha arte foi interpretada de forma totalmente diferente da minha intenção original. A última coisa que eu desejaria seria ofender ou causar qualquer tipo de mal-estar. Respeito profundamente todas as pessoas, independentemente de sua raça ou origem.
Agradeço a todos que se manifestaram e me ajudaram a entender essa falha na comunicação. Acredito que a arte deve ser um veículo de reflexão e diálogo, e lamento profundamente se minha obra causou qualquer tipo de dor ou sofrimento”.
Pedido de desculpas
Nas redes sociais, a marca Criações Gênesis postou uma nota de esclarecimento com pedido de desculpas e as providências tomadas. Veja o texto da postagem, na íntegra.
“Nós, da Criações Genêsis, gostaríamos de nos esclarecer a todos os nossos amigos, clientes e seguidores, para reconhecer os acontecimentos recentes envolvendo uma de nossas estampas.
Queremos expressar publicamente o nosso pedido de desculpas a todos que se sentiram ofendidos, magoados ou desrespeitados. Somos uma marca que busca transmitir o amor, à igualdade e principalmente o respeito. Lamentamos profundamente a repercussão negativa, e pedimos desculpas por toda dor causada.
Nosso objetivo nunca foi, nem jamais será, propagar qualquer tipo de preconceito ou discriminação. Ratificamos nosso compromisso com os princípios cristãs que guiam nossa marca. Devido a isso, tomamos as seguintes providencias.
1- A retirada imediata da estampa em questão de todos os nossos canais de venda.
2- Uma revisão completa do nosso processo de criação e aprovação de estampas.
3- Investimento em treinamentos de conscientização para nossa equipe.
Seguiremos trabalhando para garantir que nossa marca seja um reflexo genuíno do amor de Cristo e uma ferramenta para unir, e não dividir, as pessoas.
O nosso setor jurídico encontra-se a disposição para esclarecer eventuais questionamentos”.