Durante a 30ª edição do Minas Trend – Maior Salão de Negócios da América Latina, promovida pela Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG), em Belo Horizonte, foi realizado, no Minascentro, o talk “Sustentabilidade e Circularidade na Moda”, que colocou na roda temas como consumo, moda sustentável e ações do Fashion Revolution, “um dos projetos mais expressivos sobre moda consciente no mundo”. Participaram a Fernanda Simon e Viviane Rocha, IEL-MG. Mergulhamos neste universo e Fernanda diz: “Em novembro, teremos o lançamento da edição anual do Índice de Transparência da Moda, projeto que avalia a disponibilização de dados públicos das 60 maiores marcas com operação no Brasil e, na Semana Fashion Revolution 2024, completaremos 10 anos da existência do movimento e estamos planejando ações para recordar o que já passou, avaliar as mudanças e definir as prioridades para a próxima década”
Um relatório das Nações Unidas estima que chegaremos a 9,7 bilhões em 2050. As mudanças climáticas nunca foram tão evidentes. Os alertas sobre a necessidade de manter o aquecimento global abaixo de 1,5 grau Celsius vêm se multiplicando e se intensificando a cada minuto: a situação em que nos encontramos é alarmante. A indústria da moda é a que mais polui atrás da indústria petrolífera. Em 2013, uma tragédia acendeu o alerta de que já havia passado da hora de a indústria da moda rever seus processos: o desabamento do edifício Rana Plaza, em Bangladesh, no qual morreram 1.134 pessoas, sendo a maioria trabalhadores de confecções que forneciam para grandes marcas do varejo mundial. A partir daí, surge o movimento Fashion Revolution. Quando a gente fala de sustentabilidade, também associa a trabalho justo. Nesse cenário, a indústria da moda tem buscado alternativas significativas para a mudança de atitude em toda a cadeia produtiva alcançando o consumidor e investido forte no combate ao desperdício e na valorização das pessoas.
Durante a 30ª edição do Minas Trend – Maior Salão de Negócios da América Latina, promovida pela Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG), em Belo Horizonte, foi realizado, no Minascentro, o talk “Sustentabilidade e Circularidade na Moda“, que colocou na roda temas como consumo, moda sustentável e ações do Fashion Revolution, “um dos projetos mais expressivos sobre moda consciente no mundo”. Participaram a diretora executiva do Instituto Fashion Revolution Brasil, Fernanda Simon, e Viviane Rocha, IEL-MG.
O Fashion Revolution desde sua criação global aponta para questionamento vitais como: ‘quem fez as minhas roupas?’, para nos conectarmos com as pessoas, mas também ‘do que são feitas as roupas?’, incentivando um olhar sobre os impactos ambientais, sociais e culturais e propondo possibilidades, soluções, caminhos. Conversei com Fernanda Simon sobre quais os avanços que o Brasil têm mostrado quanto ao produzir e consumir moda.
“Durante a última década foi visível diversos avanços no setor, principalmente no caminho da sustentabilidade e diversidade. A crise climática está impulsionando uma crescente conscientização ambiental, que consequentemente leva a um aumento na demanda por moda mais sustentável. As marcas brasileiras estão buscando práticas mais ecologicamente corretas, assim como impactar positivamente a sociedade”, pontua.
É imprescindível reforçar que o caminho para a sustentabilidade é complexo, longo e precisa de uma abordagem sistêmica, logo, o interesse das marcas na pauta deve ser entendido apenas como o início de um longo caminhar, que, se não for sério e de fato responsável, pode acabar sendo um desserviço, se apresentando como greenwashing e atrapalhando o desenvolvimento do setor como um todo – Fernanda Simon
Desde 2022, Fernanda também integra a direção não executiva do Fashion Revolution Global e o Comitê Conselheiro da Conscious Fashion and Lifestyle Network, uma iniciativa em parceria com o Escritório de Parcerias das Nações Unidas (ONU). Foi uma das organizadoras do livro Revolução na Moda: Jornadas para Sustentabilidade. Ela nos conta as mais recentes ações do Fashion Revolution: “Em outubro, tivemos o Fórum Fashion Revolution e o lançamento do e-book com artigos inéditos que refletem os olhares de pesquisadores brasileiros no viés da sustentabilidade. Em novembro, teremos o lançamento da edição anual do Índice de Transparência da Moda, projeto que avalia a disponibilização de dados públicos das 60 maiores marcas com operação no Brasil e, na Semana Fashion Revolution 2024, completaremos 10 anos da existência do movimento e estamos planejando ações para recordar o que já passou, avaliar as mudanças e definir as prioridades para a próxima década”.
Para que a relação entre moda e natureza seja cada vez mais equilibrada, com benefícios para todos sem agressões ao meio ambiente, o Fashion Revolution criou o Índice de Transparência, um dos carros-chefes do movimento. Fernanda sempre frisou que as marcas têm grande potencial de impacto, tanto negativo como positivo. E é essencial dialogarmos com elas, incentivarmos as melhores práticas, cobrarmos responsabilidade. “Elas precisam ser exemplos, ter mais agilidade, tornar-se referência no setor graças a seu tamanho e a sua potência. Se as grandes marcas começam a trazer práticas positivas, quantas outras poderão se inspirar nelas elas e quantas pessoas não serão impactadas por fazerem parte dessas cadeias?”.
“Desde a criação do movimento, foi visível o avanço da conversa sobre a qualidade do trabalho das pessoas que fazem nossas roupas. Surgiram iniciativas, políticas públicas e engajamento de marcas trazendo melhorias em seus processos internos, porém ainda assim essas mudanças não foram capazes de garantir trabalho digno e salário decente para os trabalhadores”, comenta Fernanda Simon.
Abordamos acima responsabilidade e transparência. Bandeiras do movimento global, sem fins lucrativos, o Fashion Revolution, que está presente em mais de 100 países ao redor do mundo. Como um alerta, o coletivo faz campanhas pela reforma sistêmica da indústria da moda, com foco na necessidade de maior transparência na cadeia de produção do setor. Como tem sentido o feedback do consumidor no Brasil?
“Nós acreditamos que todos precisam fazer sua parte e no poder do engajamento da sociedade civil, de cada um, de cada pessoa, de cada cidadão mesmo, questionando. A gente então fala muito sobre esse empoderamento do cidadão de se reconhecer como uma força de transformação. Porém, a gente precisa ressaltar que a grande responsabilidade mesmo vem do setor privado, da indústria, das marcas, então essas precisam ser mais responsáveis. A transparência é como uma ferramenta mesmo, como um processo que pode trazer, aproximar e facilitar essa jornada para um desenvolvimento mais sustentável e responsável. As marcas precisam assumir esse comportamento mais responsável. Que sejam mais sérias e acreditamos muito no poder também das marcas”, analisa.
Acrescenta que “não podemos deixar o setor poder público fora disso. Há a necessidade de do poder público trazer outras legislações e fiscalizar, cobrar as marcas. O feedback do consumidor no Brasil é algo muito extenso. Grande parte da população nem tem acesso ao consumo. Por outro lado, uma parte da população é extremamente consumista. Porém, de uma forma geral, a gente vê que existe uma nova geração que já vem mais conectada, que já vem mais questionadora, que vem buscando mais propósito, o comprometimento das marcas, experiência e até uma presença de elementos da nossa ancestralidade no nosso dia a dia. Então, tem essa parte da população, mais jovem, inclusive, vem trazendo mais questionamentos e dessa forma também estimulando aí que o setor seja mais responsável. Mas, assim, reforço o adendo que, infelizmente, é muito complexo falar sobre o consumidor no Brasil, considerando toda a questão da desigualdade social que existe no nosso território”.
Ressalta que no Brasil, segundo dados sistematizados pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), tendo como referência a PNAD Contínua, mais de 70% são mulheres: 1,96 milhão de trabalhadoras. “Dentre elas, 58% são informais, o que dá mais de 1,1 milhão de mulheres. Destas, 80% não contribuem com a Previdência. Ou seja, ainda não são alcançadas pelas políticas públicas, não aparecem nos relatórios empresariais e não são vistas pelos consumidores que compram as roupas são costuradas por elas. Isso é só um exemplo do quanto ainda precisamos caminhar”, frisa.
Fernanda Simon e Eloisa Artuso lançaram um livro com reflexões e ações “em prol de uma moda justa e ética, que honre as pessoas e a natureza acima do lucro”. Ela destaca, entre tantos pontos abordados:
- Olhar para a cultura de moda brasileira que considera as verdadeiras raízes do nosso país, como os povos originários e os afro descendentes.
- A natureza como professora e parte fundamental do processo de reconstruir a moda com um olhar mais sustentável, que considera o tempo da Natureza, seus ciclos e processos.
- Olhar para a diversidade de corpos, de culturas e histórias que fazem parte da construção de uma moda que realmente considere todos.
A indústria da moda, a Indústria 4.0 quer ter uma chancela de transformação digital aliada à sustentabilidade. Perguntei a Fernanda como tem visto ser desenhado este panorama? “Sim, ela busca por uma chancela de transformação digital aliada à sustentabilidade e de fato tem vários fatores que a indústria 4.0 pode apoiar neste processo de um caminho em prol da sustentabilidade. Eu acho que existem algumas questões que automatizar processos que fazem parte da cadeia produtiva da moda pode ser benéfico, sim, e ajudar a resolver logística, questões até de mão de obra mesmo. Mas, por outro lado, a gente sabe que a maior parte da indústria da moda é feita por pessoas que já vivem condições de trabalho extremamente precário. Então, assim, a gente ainda nem conseguiu garantir dignidade para a vida dessas pessoas que fazem as nossas roupas, fica ainda mais difícil se a gente tiver uma automatização desses processos. Então, eu acho que por isso que é importante o equilíbrio. A gente também não quer que essas pessoas percam seus empregos, não quer que a força humana seja totalmente substituída”.
Eu acho importante olhar para um equilíbrio mesmo e onde que a tecnologia vai trazer benefícios, principalmente para o ser humano. Então, eu acredito na tecnologia quando ela prioriza o bem-estar da comunidade, no caso o bem-estar das pessoas que fazem parte desse setor e também na relação com o meio ambiente – Fernanda Simon
Observamos jovens empresários lidando de uma forma diferente com a realidade. Mas, como encaram a concorrência de grandes empresas, nem sempre atentas à sustentabilidade, e as inovações da Indústria 4.0? “De fato, a gente vê que tem uma leva de empresários de uma nova geração, que vem trazendo os princípios da moda mais lenta, do slow fashion, considerando a sustentabilidade já lá no comecinho da marca. Porém, como você mesma colocou, a gente tem um grande desafio, que é a concorrência não só com as grandes marcas, mas agora, a gente tem a entrada dos aplicativos. Marcas que vendem por aplicativo, enfim, que a gente chama de ultra fast fashion, que faz com que o valor competitivo de algum produto seja ainda mais difícil, mais complicado”.
De uma forma geral, a entrada do ultra fast fashion vem prejudicando não só os pequenos, micro e médios empresários, como também as grandes varejistas. Esse é um fator que vem realmente balançando o setor da moda no Brasil – Fernanda Simon
Nunca se falou tanto sobre os princípios da economia circular como processo que deve nortear as empresas, assim como zero waste, sustentabilidade, matérias-primas renováveis, redução de consumo de produtos, entre outras ações. “A economia circular precisa nortear as empresas. Nós já vimos que não temos capacidade de continuar consumindo e produzindo dentro do sistema linear. Os aterros sanitários estão cheios de roupa, como por exemplo, as montanhas de roupas no deserto da Tacama que dá para serem vistas de espaço. Hoje são produzidas roupas que vão demorar para se biodegradar 400, 500 anos. É necessário olhar para a natureza e pensar na economia circular. Afinal, precisamos de uma mudança sistêmica”, reforça.
Fazendo um paralelo, sobre o passado, dependendo do recorte de tempo considerado, Fernanda Simon lembra que “não havia processos industriais e químicos, então as roupas eram feitas de elementos da natureza, com fibras naturais, tintas e beneficiamentos ligado à natureza. Não é algo que seja impossível de se fazer e foi feito durante muitos e muitos séculos. E hoje é isso, a maior parte das nossas roupas elas são feitas de fibras sintéticas, de poliéster e a segunda fibra mais utilizada é o algodão altamente impactante no meio ambiente, na vida das pessoas. Hoje, o algodão produzido no Brasil é transgênico, cheio de agrotóxico. A viscose também está muito conectada com processos de desmatamento. O modelo que estamos vivendo tem todos os processos de beneficiamento que também são altamente químicos. E com um modelo de consumo desenfreado, cada vez mais se produz e se consome.
No amanhã, se quisermos habitar esse planeta, é necessário práticas sustentáveis e atreladas aos processos da natureza. Caso contrário, não haverá saída – Fernanda Simon
Para qual caminho está indo a moda autoral brasileira? O que isso representa em relação ao cenário global? “Acho um ponto muito, muito importante, Percebo a moda autoral cada vez mais conectada com a História do Brasil, nossos povos originários e afrodescendentes. Trazendo elementos que, de fato foram resgatados depois de tanto tempo de um processo de colonização tão difícil, com tantos apagamentos. A partir dessa identidade, ela também está considerando processos que sejam mais sustentáveis, olhando para o modelo produtivo que seja mais slow. Há um caminho muito bonito sendo construído na moda autoral, mesmo com tantos desafios que a gente sabe que os criadores enfrentam”, considera a diretora executiva do Instituto Fashion Revolution Brasil.
“Sonho com um mundo justo, em equilíbrio, com saúde e com prosperidade para todos. Assim, eu acho que felicidade mesmo, nem sei, né? Talvez, a gente nunca alcance, porque enquanto tiver uma pessoa sem ter o que comer, uma pessoa numa guerra, eu acho que não tem como a gente ser feliz se não nos entendermos como uma unidade, né? Eu espero que um dia a humanidade consiga encontrar um equilíbrio para a vida nesse planeta, para fazer que seja possível, que não seja um ser assim tão devastador, mas um ser que construa de uma forma positiva e integrada com todos”.