A estilista cearense revisitando o acervo magistral de sua grife na passarela dos 25 anos do DFB Festival. Suas criações valorizam pequenos produtores regionais, visando o desenvolvimento socioeconômico. A moda autoral brasileira, segundo Marina, alia autenticidade e sustentabilidade, com impacto positivo na economia local e internacional. Com práticas sustentáveis e apoio a projetos sociais, a estilista se destaca na moda brasileira, promovendo uma visão contemporânea e inclusiva em suas criações. Para ela, “a moda brasileira está indo para um caminho bem interessante e bonito. Vemos cada vez mais a mistura do tradicional com o moderno, com uma pegada sustentável e local. Os designers estão resgatando cada vez mais suas vivências e memórias, tornando a moda plural como o país é de fato e como merece ser visto e reconhecido”, frisa Marina Bitu
Uma moda que dialoga com a identidade cearense e em sinergia com as suas próprias relações de pertencimento. Essa é a proposta de Marina Bitu e sua grife homônima, que estreou na passarela do DFB Festival, em Fortaleza (CE) em 2022 como marca própria, após haver assinado em 2019 o primeiro desfile numa collab com a Jangadeiro Têxtil – e que o site vem acompanhando desde então -, percebendo não só o crescimento da label, mas também a marca de sua autoralidade. Na edição comemorativa dos 25 anos do DFB Festival, o maior encontro da moda autoral da América Latina e multiplataforma, que se destaca ao longo dos anos pela sinergia entre moda, capacitação, empreendedorismo, mostra criativa, jornada de conhecimento, gastronomia e música, a designer optou por, em seu fazer artístico, revisitar o acervo da marca e destacando peças icônicas valorizando as técnicas manuais ancestrais, que a consolidou como uma potência na moda nacional, tendo como forte pilar o trabalho com associações de artesãs nordestinas, impulsionando sempre a cultura brasileira.A partir da prática do slow fashion, a produção das peças acontece em baixa escala utilizando matérias-primas naturais e reutilizáveis, além de mão de obra local, em uma relação justa e aberta entre produtores e consumidores.
Processos artesanais são frequentemente utilizados em plissados, aplicações de palha e técnicas manuais, bem como as próprias referências do Ceará. “A coleção mergulha na interpretação da cultura cearense, explorando formas e texturas inspiradas na pesquisa da artista Paula Siebra, que tem como recorte a beleza presente nos elementos do cotidiano regional, para o desenvolvimento de estampas exclusivas. Nosso trabalho objetiva envolver os pequenos produtores regionais, a fim de contribuirmos para o desenvolvimento socioeconômico em nossa região. Essa relação nasce de alguns importantes pilares da marca: a valorização da nossa cultura e a manutenção dos ofícios manuais para as gerações futuras. Somos uma marca que acredita no poder transformador que a moda pode exercer na sociedade, quando é pautada em valores sustentáveis, tanto sociais, como ambientais. Observamos em nossas clientes uma personalidade crítica, que olham para os movimentos sociais e políticos e acreditam em um presente e em futuro com mais igualdade e respeito”, analisa Marina Bitu. Tudo isso era profundamente traduzível em mais um projeto lindo de Marina, que tive a honra de acompanhar a trajetória.
Nascida no Ceará, Marina herdou das avós o gosto e a habilidade pelo fazer manual. E, tendo esse legado afetuoso como inspiração, ela se especializou em design de moda e também em gestão de negócios do setor para, depois de adquirir experiência nas equipes de estilo de outras marcas, em 2017, fundar a sua própria. Na trajetória, a designer Marina Bitu tornou-se sócia de Cecília Baima, cirurgiã dentista apaixonada por moda, arte e música. “Para nós, estar no DFB é reforçar a importância da produção criativa local. Essa foi a primeira passarela que nos recebeu, há quase quatro anos e faz parte da história de todos os cearenses entusiastas da moda”, pontua Marina.
No desfile, elementos que me tocaram o coração. Toda a singeleza dos saberes ancestrais do fazer manual da moda do Ceará. Marina optou, entre outras inspirações por usar tecidos diafános e/ou fluidos, em conexão com os plissados e bordados. Volumes, texturas encantadoras e muita criatividade! Um luxo! Para esse desfile, a marca uniu-se à associação FIBRARTE de Missão Velha, Ceará, que trabalha com a fibra da bananeira e com a associação de rendeiras de Aquiraz, presente através de uma pluralidade de tipologias. Ao todo no desfile, a marca apresentou 26 looks que contam a sua história e toda relação com o Ceará.
Marina Bitu (Foto: Roberta Braga e Thais Parahyba)
Marina Bitu (Foto: Roberta Braga e Thais Parahyba)
Para Marina, a moda autoral brasileira ganha cada vez mais espaço e prestígio. Bem como pode ser percebida através de sua autenticidade. “A moda brasileira está indo para um caminho bem interessante e bonito. Vemos cada vez mais a mistura do tradicional com o moderno, com uma pegada sustentável e local. Os designers estão resgatando cada vez mais suas vivências e memórias, tornando a moda plural como o país é de fato e como merece ser visto e reconhecido”. Segundo ela, a moda do Nordeste é uma importante mola propulsora para o Brasil. “O Nordeste é um polo têxtil super rico. Temos aqui grandes talentos e uma cultura incrível. É muito gratificante ver a região tomar o destaque que merece, pois a moda nordestina não só valoriza e preserva as tradições e o artesanato local, como também cria oportunidades de emprego e renda para milhares de pessoas”.
Ainda de acordo com Marina, “a crescente demanda por produtos autênticos e sustentáveis está levando a moda nordestina a conquistar mercados nacionais e internacionais, atraindo investimentos e promovendo o turismo. Além disso, iniciativas de capacitação e apoio aos pequenos produtores e artesãos estão fortalecendo as cadeias produtivas locais, contribuindo para o desenvolvimento econômico e social da região”.
Marina aponta que a moda autoral não precisa, necessariamente, ser estrita, conceitual ou algo nichado. “Acredito que a criação autoral precisa também ter apelo comercial. Muitas vezes os criativos idealizam peças originais, com novas técnicas e materiais, mas que não possuem usabilidade e por isso não são vendáveis. Para permanecer no mercado é preciso ter estratégias que equilibrem a capacidade criativa e a sensibilidade em perceber o que o consumidor deseja”.
NATUREZA EM MOVIMENTO COM A MODA
A indústria da moda é amplamente reconhecida como a segunda maior poluidora global, ficando atrás apenas do setor petrolífero. Segundo um estudo divulgado pela Global Fashion Agenda, uma organização sem fins lucrativos, mais de 92 milhões de toneladas de resíduos têxteis foram eliminados em escala mundial nos últimos anos. Como forma de minorar essas perdas, Marina orienta o olhar de sua produção para as questões socioambientais. Para além de termos o selo “eureciclo”, onde contribuímos com associações de reciclagem e o frete neutro (compensação de carbono através do frete), a marca utiliza uma abordagem que valoriza a cultura local através do trabalho com as artesãs. Frequentemente são incorporados elementos como fibras naturais provenientes de descarte e reaproveitamento de tecidos, típicos da região do Ceará. Isso não apenas enriquece esteticamente as criações, mas também promove práticas sustentáveis e apoia comunidades locais através do uso de materiais provenientes da região.
Marina Bitu (Foto: Roberta Braga e Thais Parahyba)
Antenada às demandas socioambientais, a estilista revela que a marca já nasce alinhada com propostas concretas: “A cada coleção apoiamos um projeto social, pois acreditamos que nós e outras marcas podemos atuar no reforço e endosso de ações com foco na transformação. Além disso, nossa cadeia produtiva é 100% composta por grupos locais, associações e mulheres autônomas. No que se refere às matérias-primas, priorizamos trabalhar com fornecedores que possuem selos de sustentabilidade, usando fios e fibras reaproveitadas e reutilizando água no processo industrial”.
Com o objetivo de gerar ainda mais visibilidade ao empreendedorismo feminino e à importância da preservação dos fazeres manuais, Marina Bitu uniu-se ao Mundo Social Magalu, um projeto e plataforma de vendas do Magazine Luiza criado em 2020 com a proposta de impulsionar e acelerar negócios de impacto social positivo. O primeiro fruto dessa parceria é apresentado nesse desfile através de dois produtos exclusivos – uma bolsa “minaudiere” e um chapéu estilo bucket, ambos nascidos a partir da matéria prima da fibra de bananeira trabalhados com técnica de crochet e leve acabamento impermeável -, que estarão disponíveis para venda apenas na plataforma do Mundo Social Magalu.
Para completar, nos pés, a marca firmou parceria com a VEJA, que desde 2005 cria tênis de maneira responsável e diferenciada, mesclando projetos sociais, justiça econômica e materiais ecológicos. Com algodão orgânico brasileiro e peruano na lona e nos cadarços, borracha amazônica no solado e materiais inovadores concebidos em garrafas plásticas recicladas ou poliéster reciclado, os calçados são produzidos em fábricas de alto padrão no Brasil.
Marina encerra dizendo sobre as dores e delícias de ser uma estilista autoral no Brasil. “São inúmeros os desafios, principalmente quando dividimos espaço no mercado com grandes grupos de moda. Um grande desafio é driblar os recursos limitados e ainda assim fazer um bom trabalho reconhecido pelo mercado e pela imprensa especializada. A principal recompensa é receber o apoio de clientes e entusiastas que entendem o sistema de moda, acreditam na força da cultura e do fazer manual brasileiro. Outra importante recompensa é perceber o trabalho sendo bem recebido em praças fora do país. O que ainda me inspira é ver o meu crescimento e dos meus pares, sabendo que faço parte de um movimento coletivo que objetiva valorizar e projetar a nossa moda cada vez mais”.