“Eu quero poder ser esquisita indo no mercado e ficar muito bonita no momento que quiser espairecer e usar uma roupa legal. A partir disso, pensei que eu sou bonita sazonal, ou seja, bonita de vez em quando. Mas não quis trazer isso como um peso do fato de eu estar bonita, como arrumada para o casamento em um dia e estar descabelada na academia em outro”.
Milhares de jovens internautas do Instagram e do Tik Tok não demoraram a aderir a expressão “bonita sazonal” ao vocabulário. Ao permitir que as mulheres não se maquiem e se produzam todos os dias, o termo devolve o direito feminino de renegar a pressão estética no cotidiano e ironiza a relação estabelecida pelo grupo com a beleza. A cantora Vic Brow compartilhou a piada nas redes sociais de forma despretensiosa, sem imaginar que o áudio se tornaria viral e alcançaria a timeline de milhões de pessoas. Mais de um ano após o compartilhamento do vídeo de título ‘bonita sazonal”, o público ainda retoma o assunto e volta a publicar sobre o tema. Inegavelmente, o despretensioso sucesso do conteúdo gerou um benefício para a carreira da artista: a popularização da voz de Victoria, que também mantém atividades voltadas para o campo da dublagem.
Além de surpreender a artista, a recepção calorosa do público das reflexões sobre a sazonalidade da beleza feminina a emocionou. Orgulhosa do trabalho, Vic percebeu que a constatação feita por ela há tempos estava confortando incontáveis corações femininos ao redor do país. A dubladora de 25 anos entendeu que o termo “encapsula uma dor e um sentimento que as mulheres têm constantemente” de estar atendendo a uma determinada pressão estética para serem ouvidas, vistas e consideradas reais.
Victoria confessa que o termo nasceu de uma mistura de experiências familiares e de encontros proporcionados pela academia. “Bonita sazonal surgiu com os meus pais, que têm vocabulário bem peculiar e usam umas palavras que ninguém nunca ouviu antes. A minha mãe é viciada em frutas, então sempre ouvi dentro de casa a palavra sazonal. Porque as frutas são sazonais. Já o primeiro clique para criar a expressão aconteceu em um dia na academia, com uma pessoa que já me seguia. Ela disse que eu era muito diferente das fotos, já que estava indo completamente destroçada treinar. A partir disso, tive um clique para escrever sobre essa pressão e do quanto a gente tem que performar e fazer sentido como mulher”, explica.
Segundo a artista, a experiência como mulher está intimamente atrelada à “promessa de beleza infinita” no mundo contemporâneo. A partir do compartilhamento das reflexões sobre o assunto nas plataformas digitais, ela compreendeu que o público feminino não tem espaço para ter a complexidade de viver sem a presença da beleza. A influenciadora digital confessou desejar o não envolvimento absoluto com o padrão estético feminino, ao valorizar os momentos de “estar feia” e aqueles “de estar bonita”.
A motivação para a criação do termo e de seu compartilhamento nasceu de uma perplexidade diante da cobrança excessiva e do depósito irreais de expectativas sob o imaginário e universo femininos.
Eu quero poder ser esquisita indo no mercado e ficar muito bonita no momento que quiser espairecer e usar uma roupa legal. Misturei o sazonal por lembrar da minha mãe e da sazonalidade das frutas, como o pêssego que está na nossa mesa de vez em quando. A partir disso, pensei que eu sou bonita sazonal, ou seja, bonita de vez em quando. Mas não quis trazer isso como um peso do fato de eu estar bonita, como arrumada para o casamento em um dia e estar descabelada na academia em outro – Vic Brow
Humor nas letras
O humor marca presença em cada uma das letras e reflexões compartilhadas por ela na internet. Ao se considerar “mais divertida do que engraçada”, a cantora acredita produzir um tipo de conteúdo que desperta um “leve sorriso de canto para fazer com que as pessoas pensem” nos assuntos tratados por ela.
A artista confessou usar a ironia nos vídeos como uma estratégia de marketing para que as pessoas cheguem até suas músicas. “Faço isso para convidar as pessoas a escutarem uma artista desconhecida como eu. Não funcionaria chegar e pedir para que elas escutassem as minhas músicas. Isso não ia funcionar para quem está prestando atenção no meu dia a dia. Então, comecei a pensar em maneiras de construir quem eu sou [com o humor]”, relembra.
Foi justamente do desejo por captar novos ouvintes que Vic teve o insight de compartilhar suas ponderações sobre a pressão estética feminina. Logo após a viralização de “bonita sazonal”, Vic criou uma música de mesmo nome sobre o meme. A composição é composta por reflexões veladas por ironias que dão voz à exaustão da mulher moderna de lidar com os estereótipos e expectativas sociais. Por outro lado, em um esforço constante de ser ouvida nos sentido verbal e musical, a criadora de conteúdo disse acreditar que a ironia compõe uma parte importante de sua personalidade.
“A minha família sempre conversou nas bases do humor e da ironia. A gente leva a vida dessa maneira. Tenho esse interesse grande pelo que é cotidiano por achar que tem formas interessantes de falar sobre o cotidiano. Às vezes, a gente quer ser muito genial e esquece daquilo que é comum e também é interessante: a sua forma como a gente escolhe se comunicar com o mundo. As minhas letras são super irônicas”.
Apesar de fazer da ironia uma das suas principais assinaturas como cantora, Victoria opta por destacar a narração como diferencial do seu trabalho no mercado da música. A cantora acredita poder oferecer uma experiência de ambientação para os ouvintes. Isso porque relaciona as criações com uma peça de teatro, ao compor “letras bem cênicas”, em que “tudo é literal para entrar realmente no campo do comum”.
Victoria elenca as atividades como roteirista e dubladora como principais contribuintes para este apreço da descrição em suas letras. “Às vezes, eu sinto que muitos artistas prezam pela melodia em detrimento do que está sendo dito. ‘Ah, essa estrofe só cabe aqui, então vou cortar esta informação e seguir com a música. Acho que este é o meu diferencial. Eu não abro mão do contexto em nome da melodia. Se tiver que ser gigante, a frase vai ser. Gosto muito de prestar atenção no que está sendo dito. Escutar as letras é quase um mecanismo meu de defesa”, revela.
Autoria das músicas
Desde que se lançou no mercado musical, a cantora se mantém firme no posicionamento de escrever cada uma das músicas que lança. Apesar da constante preocupação da artista sobre o domínio da mensagem que está passando nas canções, Vic não descarta a possibilidade futura de adotar uma letra. Afinal, nada impede que ela se apaixone por uma música e queria acrescentá-la ao repertório particular.
A artista estabelece uma relação direta da intimidade entre as composições e as atividades como roteirista e dubladora. “Eu sou muito acostumada com o roteiro por conta da dublagem. Leio cerca de 200 páginas por dia porque estou ali falando, então tenho muita intimidade com o texto. [Sei que] compor parece ser uma inspiração divina que caiu do céu, mas não passa de técnicas. Na música, a gente tem vários exercícios para colocarmos as ideias em prática e conseguir escrever. Música é matemática e estrutura”, pontua.
Animada ao abordar o ofício da dublagem, Victoria recorda que adentrou nesta indústria aos cinco anos de idade. Ao participar de trabalhos de locução e jingles para marcas, a menina teve a oportunidade de estabelecer uma conexão profunda com as palavras. Um pouco mais velha, a dubladora se mudou para o Rio de Janeiro com o objetivo de se aproximar dos locais-eixo para oportunidades de trabalho.
“Me mudei para o Rio para começar a estudar a técnica de dublagem e foi incrível por ser a minha primeira sensação de estabilidade plena. Eu estava lá com os meus 18 anos e podia falar que estava ganhando dinheiro suficiente para poder me bancar, ser feliz e sair da minha casa. A dublagem tem um lugar de muito carinho dentro de mim”.
Neste mercado há cerca de 20 anos, a profissional lembrou de alguns personagens especiais que dublou ao longo da carreira: Musa, em “Fate: A Saga Winx”; Barb, em “Trolls 2”; Espinela, em “Steven Universo”; Sarah, em “The Last of Us”. Como spoiler exclusivo ao site, Vic revelou ter participado do processo de dublagem do recém-estreado filme da franquia Jogos Vorazes, “Jogos Vorazes: a cantiga dos pássaros e das serpentes”.
A criadora do meme “bonita sazonal” detalha que o processo de dublagem é diário, já que ela assume a voz de uma série de personagens. À frente de uma tela e de um script com o idioma original do produto audiovisual, Victoria se coloca em um estado meditativo de leitura e encarnação dos personagens na língua portuguesa.
“É preciso ler como se você não estivesse lendo. É olhar para o texto e falar, como um exercício de presença. Já o tempo de dublagem depende do nível de participação da [minha] personagem no filme. Se ela tem dois minutos de cena, consigo resolver isso em duas horas de gravação. Mas se é uma protagonista, por exemplo, a produção pode se estender por até uma semana”.
Apesar de se divertir com o trabalho, a artista pontua não saber qual personagem vai dublar em grande parte das vezes. Não há preparo prévio ou estudo de roteiro, mas uma “caixinha de supresas” diária com oportunidades variadas de propostas a serem exploradas. Ela identifica que o esforço na interpretação da voz de um papel é intenso a ponto de fazer com que takes sejam refeitos apenas para que a respiração do personagem seja alinhada à personalidade dele. Para isso, Victoria busca “estar ali realmente, abstrair todo o entorno e focar no trabalho”.
Pluralidade de narrativas
Sem pensar duas vezes, Vic elencou as múltiplas ocupações e narrativas como sua maior crise existencial. A cantora avalia que o público que a acompanha nas redes se sente frequentemente perdido ao se deparar com tantas atividades que exerce e compartilha.
Antes distantes uma das outras, Victoria compreende que tudo o que faz profissionalmente se conecta através da voz. “Estou começando a assimilar o meu papel como porta-voz de algo, seja no meu roteiro, na narração ou no lançamento de um meu álbum. Por mais que as funções sejam diferentes, acho que elas estejam unidas pela voz. E por dar voz a algo, a gente perpassa pelas narrativas”, pondera ela.
Embora tenha tantas divagações e inseguranças sobre o assunto, a artista define a “costura de narrativas” como o elemento capaz de justificar todo o seu ofício. Isso se dá pelo sentimento dela de acreditar ter algo a dizer nas músicas, histórias ou vídeos. Ao trabalhar com os campos da música e da dublagem e da produção de roteiros, ela admitiu se expor e conectar uma versão sua mais íntima com o público.
Indústria musical
Vic Brow concorda com o desejo de todo artista de ter seu trabalho com reconhecimento e visibilidade, porém não compactua com os movimentos da indústria musical nos últimos anos. Uma tendência que tem se popularizado é a da criação de músicas curtas, com refrões repetitivos e fáceis de se memorizar para que elas se tornem virais nas redes sociais. Não é à toa que algumas canções e trechos se tornem massivamente conhecidos por internautas e sejam rapidamente deixadas de lado.
“Não faço e nem sou fã deste tipo de música por encomenda. Acho que a música tem que ter a potência por si. Acredito que ainda tem gente que é bem útil e gosta de canções com quatro minutos de introdução instrumental, como eu. Sempre que tentam me limitar para o lado comercial, eu sigo pelo caminho mais difícil. Se tivesse aceitado algumas coisas, acredito que eu já teria uma visibilidade maior. Apesar disso, acho também que ter vários trabalhos me coloca em uma posição confortável de ser genuína naquilo que eu quero entregar”, atesta.