Como perfis de ‘fofocas evangélicas’ trazem à tona denúncias de abusos em igrejas

Uma decisão judicial tomada no início deste ano colocou em evidência uma crise na igreja Bola de Neve, uma das principais do ramo evangélico no Brasil.

As denúncias envolviam um dos fundadores da igreja, acusado por sua mulher de violência e abuso e contra quem ela conseguiu proteção na Justiça. O pastor negou qualquer crime.

Antes da atuação do Judiciário, no entanto, o site O Fuxico Gospel foi um dos principais responsáveis pela repercussão do caso por meio de seu perfil em redes sociais, o que teve grande impacto na igreja.

A Bola de Neve afastou seu fundador e anunciou medidas para manter a “integridade e a santidade da estrutura eclesiástica”, como a criação de uma ouvidoria para denúncias de abuso e um conselho de ética.

O caso foi um dos mais notórios de uma série de denúncias envolvendo lideranças de igrejas evangélicas em que sites de notícias e perfis de redes sociais sobre personalidades cristãs têm cumprido um papel central.

Pastores influentes denunciam as páginas de fofoca como algo que vai contra os valores cristãos

Páginas de fofoca, frequentemente no centro de escândalos envolvendo políticos e celebridades em geral, têm trazido a tona ou dado visibilidade a denúncias envolvendo religiosos que de outra forma não teriam a mesma repercussão, avaliam especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.

Isso tem sido alvo de preocupações e críticas de pastores influentes que denunciam as páginas de fofoca como algo que vai contra os valores cristãos e questionam a fé de quem segue os perfis em redes sociais que espalham essas notícias.

Também tem provocado abalos na comunidade evangélica porque vem colocando em xeque as dinâmicas de poder dentro das igrejas e mudanças em seu comando.

Na seção policial do Fuxico Gospel, por exemplo, é possível ler dezenas de relatos que vão de agressões frequentes de pastores a suas esposas a casos de pedofilia.

“As denúncias são uma forma de pessoas menores na hierarquia contraporem os pastores, algo que não aconteceria diretamente”, afirma o antropólogo Juliano Spyer, sócio da Nosotros, consultoria especializada na religião evangélica.

Os fiéis encontraram nestas páginas não só uma forma de ecoar suas denúncias, mas também de mudar a cultura em torno deste assunto dentro e fora dos templos.

“Elas têm sido fundamentais na construção de uma percepção que vem circulando no contexto das igrejas sobre o que são os abusos e a importância de falar disso”, avalia a antropóloga Jacqueline Moraes Teixeira, professora do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB), que vem pesquisando o assunto.

Disparada de denúncias
Teixeira diz que o número de denúncias cresceu especialmente a partir da pandemia de covid-19, com o aumento de casos de violência doméstica decorrentes da maior permanência das pessoas em suas casas, um fenômeno que foi global.

De meados de 2023 para cá, as denúncias no meio evangélico dispararam de vez, diz a antropóloga.

Teixeira explica que este tipo de página está muito próximo do cotidiano das igrejas, muitas vezes contando com informantes nestes ambientes.

Além disso, ela avalia que o fato de o público das páginas ser majoritariamente jovem e com “mais abertura para discutir temáticas de violência” é outro fator que contribui para o engajamento.

“Os perfis abriram possibilidade para que lideranças fossem removidas e os inquéritos abertos”, afirma Teixeira.

Em maio deste ano, o pastor Dagmar José Pereira, da Igreja Assembleia do Reino de Deus, foi preso pela acusação de abusos sexuais contra mulheres de sua congregação. Os casos teriam acontecido nos Estados de Goiás e Pará.

Uma estudante que frequentava a igreja começou a divulgar as denúncias em suas redes sociais, que logo ganharam tração com os maiores perfis, chegando a dezenas de casos.

Pereira negou as acusações feitas e a defesa alegou que trabalha para que os fatos sejam esclarecidos e que a liberdade do investigado seja restabelecida.

As denúncias têm sido particularmente frequentes na Bola de Neve. Um perfil no Instagram de um ex-integrante da igreja também publicou relatos de fiéis apontando supostas irregularidades no gerenciamento da igreja em Santa Catarina.

A repercussão levou o antigo vocalista da banda Raimundos, Rodolfo Abrantes, a expor em suas redes sociais supostos abusos que teria sofrido no período em que frequentou a igreja em Balneário Camboriú.

Desde então, uma série de pastores anunciou a saída da Bola de Neve, e pessoas do meio evangélico citam até mesmo uma “debandada”.

A Bola de Neve foi procurada para comentar as denúncias, mas não se manifestou.

‘Havia medo das pessoas se manifestarem’

Izael Nascimento, cofundador do Fuxico Gospel, diz que casos com maior repercussão, como o caso da Bola de Neve, costumam gerar uma “explosão” de novas denúncias.

Atualmente, chegam mais de 20 por semana, diz Izael, embora ele reconheça ser difícil confirmar que boa parte delas são verdadeiras.

O Fuxico Gospel surgiu em 2012 tratando especialmente de pessoas que eram influentes no meio evangélico, mas que não tinham grande cobertura da imprensa tradicional.

Você Pode Gostar

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *