“Chiquititas” está no TOP 10 da Netflix. Ciente do impacto que uma das protagonistas da novela infanto-juvenil teve, a atriz busca sempre ressaltar a importância de uma autoestima saudável e da valorização de todos os tipos de cabelo, por exemplo. “O mundo da internet é muito ruim. Você enlouquece se não colocar a cabeça no foco e vai ficar se comparando para sempre. Eu tive que dar um passo para trás para voltar a ser a Júlia de antes. [Alisar o cabelo] foi algo bem difícil para mim na época. Eu tinha que alisá-lo todos os dias para a gravação. Como eu tive que passar por isso, decidi que não queria fazer isso na vida real”
por Luísa Giraldo
A proeminência do remake de “Chiquititas”, do Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), se renova a cada ano, conquistando novas gerações de crianças e jovens. Os dez anos da exibição marcam o sucesso da trama que lançou as atrizes Giovanna Grigio, Lívia Inhudes e Júlia Gomes. Disponibilizada no streaming, a novela está sempre figurando uma das primeiras posições na lista de produtos audiovisuais mais assistidos do Brasil. Entre as sete protagonistas moradoras do orfanato “Raio de Luz”, a menina em situação de rua, comumente conhecida como “Pata”, conquistou o coração do público. Aos 10 anos, Júlia Olliver se encarregou de empregar toda a carga dramática e emocional demandada pela personagem Patrícia Tavares. Encarnado em 2013, o papel traz luz a questões sensíveis voltadas a pautas políticas de relevância para a sociedade contemporânea, como as desigualdades sociais, o racismo estrutural e a exclusão de minorias. A artista tem total ciência da relevância e influência que a sua atuação têm para meninas jovens.
Apesar de ser uma premissa comum para atores que se tornaram símbolos a partir de atuações marcantes, Júlia destaca não se sentir incomodada com a associação direta da imagem dela com a de Pata. Sem mencionar nomes, a estrela lembrou que algumas outras chiquititas já revelaram ter problemas em relação a isso. “Como eu vou querer apagar uma coisa que teve um sucesso tão grande que está no top 10 da Netflix até hoje? Ainda mais, quando se tem tanta série nova sendo lançada. Depois da Patrícia, eu não tive nenhuma outra personagem tão estrondosa como ela, mas tudo aconteceu por conta dela. Faço parceria com marcas grandiosas, falo sobre cabelo nas redes sociais e continuo em ascensão por causa da Pata”, desabafa.
Embora nutra adoração pelo papel, Júlia frisa sentir falta de reconhecimento de outros personagens que interpretou ao longo da carreira. A atriz recorda constantemente aos fãs que participou de outros produtos audiovisuais, como “Alice no Mundo da Internet“ e o spin-off da novela “Poliana Moça”, “Vivendo na Gringa”, fruto de uma parceria do SBT com o Kwai. Além disso, a intérprete de Patrícia anunciou que, em breve, voltará às telas do cinemas com o filme “Morando com o Crush”, ainda sem data de lançamento. Para a produção dele, a atriz de 20 anos admitiu ter morado “praticamente sozinha” em Porto Alegre durante dois meses. Na trama produzida pela Paris Filmes, Júlia assume um dos grandes desafios na carreira ao dar vida à antagonista Priscila. Nomes como Giulia Benite, que deu vida à líder do grupo de “Turma da Mônica Laços”, e Juliana Alves marcam presença neste elenco.
Autoestima e cabelo
Mesmo que Júlia tenha assumido uma personagem com questões complexas em relação à autoestima, a atriz cresceu com uma autoimagem saudável. Isso porque a mãe dela a ensinou a fazer uma “blindagem” contra críticas, comentários mal-intencionados e comparações excessivas por parte das meninas do elenco e do público. Entre elas, foi estabelecido um exercício carinhoso de constantes auto elogios.
“A comparação ficou um pouco pior com a internet naquela fase dos 13 e dos 14 anos, que é o ‘ó do borogodó’. Mas, na época da novela, não era algo que eu me preocupava muito. Eu tenho até um vídeo no YouTube em que falo que eu editava as minhas fotos. Isso quando eu já era magra. O mundo da internet é muito ruim. Você enlouquece se não colocar a cabeça no foco e vai ficar se comparando para sempre. Eu tive que dar um passo para trás para voltar a ser a Júlia de antes. Comecei a academia, mas por conta da minha saúde”, reconhece.
Outro ponto que fortaleceu a construção de uma autoestima positiva por parte da artista foi o tópico das madeixas. Atualmente, ela trabalha como influenciadora digital voltada para os cabelos e a valorização dos cachos. Todavia, na trama do orfanato, Patrícia não assumia o mesmo comportamento de orgulho pelo seu físico, já que era uma das únicas meninas pretas e com os cabelos crespos da telenovela. Em alguns episódios, é retratado o profundo desejo da personagem de alisar os cabelos para se encaixar no padrão de beleza vigente. A ideia nasce de um comercial que as amigas assistem juntas após uma festa. Escondida, Pata compra produtos químicos e usa eles sem a proteção e a orientação corretas, o que faz com que ela fique desacordada durante alguns minutos.
“[Alisar o cabelo] foi algo bem difícil para mim na época. Eu tinha que alisá-lo todos os dias para a gravação. Como eu tive que passar por isso, decidi que não queria fazer isso na vida real. Na série, a Pata usou formol para alisar o cabelo, passou mal e desmaiou. Viver tudo aquilo foi uma lição para mim, como criança, e para as pessoas que estavam assistindo. Eu não tinha dimensão da responsabilidade [de uma mensagem como esta] para o público”.
O mundo da internet é muito ruim. Você enlouquece se não colocar a cabeça no foco e vai ficar se comparando para sempre. Eu tive que dar um passo para trás para voltar a ser a Júlia de antes – Júlia Olliver.
Após o perigoso episódio, Pata compreende que não precisa mudar para se sentir bonita e feminina como as outras colegas do orfanato. Daquele momento em diante, a personagem assume uma postura forte de valorização aos traços de seu rosto e cabelos. Não é uma surpresa que crianças e jovens de todas idades ainda a agradeçam pelo incentivo que ela eu e representou para pessoas com cabelos cacheados e crespos a assumirem o formato natural. Também cantora, a moça admite não ter a real dimensão do nível de influência que teve e prevalece tendo para as atuais gerações de meninas. Para ela, trata-se de “algo maior”, além de um “motivo imenso de orgulho”.
Relação de Júlia com Pata dez anos após Chiquititas
Assim que a novela acabou, a artista conta ter relutado bastante em assistir “Chiquititas”. Isso porque ela acreditava que se cobraria excessivamente ao analisar as primeiras cenas que fez como Pata. Atualmente, Júlia estabelece uma relação saudável com sua primeira personagem e, com constância, se depara com cenas recortadas da novela pelas redes.
“Hoje em dia, acho incrível [reassistir a novela]. Só foi o que foi por conta do que eu fiz lá. Talvez, se fizesse isso hoje, não ia ser o que foi. É muito engraçado ver a Pata muito brava brigando com todo mundo e destruindo orfanato. Antes eu preferia não fazer isso, mas o pessoal gosta bastante. Muitos acham que eu sou assim, então, às vezes, quando abro uma caixinha de perguntas no meu Instagram, o pessoal fala ‘nossa, mas por que você era tão brava na novela?’ Algumas pessoas não sabem distinguir a Pata da Júlia até hoje”, identifica ela, emocionada pelo feedback dos fãs.
Por outro lado, a atriz reconhece que tem muito da personagem em si. “Eu tenho muito da personalidade da Pata no início da novela. Eu sempre tive essa autodefesa. Não é uma questão de ser grossa, mas a Pata morava na rua. A Júlia também tinha essa autodefesa quando criança. Apesar de não entender muito bem, eu tinha que viver aquilo. Nas primeiras cenas, por exemplo, a gente gravava na rua de fato, aos domingos de manhã, porque era a hora mais tranquila por lá”, descreve ao explicar que era simplesmente uma criança “sem noção”.
Segundo ela, o contato com pessoas em situação de rua próximas ao local de gravação a aproximou de uma realidade socioeconômica diferente, além de auxiliá-la a aplicar uma proporcional seriedade e drama no papel. Júlia se deu conta dos privilégios que havia recebido pela família e criação aos 9, em uma conversa com uma mãe solo com seu bebê na rua. A intérprete acredita que poderia ter desenvolvido características como a ignorância caso Pata não tivesse entrado em sua vida.
“Quando pequena, isso [conversar com pessoas em situação de rua] me abriu muito os olhos. Desde então, eu soube dar valor às pequenas coisas, as menores da vida. Ter vivido [o papel de Pata] e mantido um contato mínimo com este mundo, foi muito forte para mim. Eu tenho uma visão de mundo totalmente diferente por conta da Pata. Ela foi essencial para que eu entendesse os valores e as desigualdades sociais e coisas que acontecem na vida e assistem na TV. A Pata fez com que eu me colocasse no lugar dela, de uma menina que mora na rua, só tem um irmão e convive só com homens, a transição dela para o orfanato, de não ser vaidosa e querer andar como menino”.
Para ela, um dos motivos pelos quais o público se afeiçoou tanto às protagonistas de Chiquititas, principalmente à Pata, foi o tempo de tela delas, já que a novela ficou no ar durante dois anos. Influenciada por esse carinho, Julia ainda atribui grande parte de sua personalidade e gostos a ela.
Eu tenho uma visão de mundo totalmente diferente por conta da [personagem] Pata. Ela foi essencial para que eu entendesse os valores e as desigualdades sociais e coisas que acontecem na vida — Júlia Olliver.
“Eu sinto um baita orgulho da Pata, na verdade. Foi ela quem mudou tudo na minha vida. Como não tinha assistido a outra “Chiquititas”, de 2003, eu nem sabia que ela existia. Eu acompanhei Carrossel, da época da Larissa Manoela, mas não tinha noção do que eram as duas. Olhar para trás, dá orgulho porque só sou quem sou por conta da Pata e de tudo que eu passei naquela época, inclusive da responsabilidade. Aos 10 anos, eu tinha que estudar e ir bem na escola. Fazia tudo que uma criança normal faz e ainda assim gravava a novela”, relembra.