Cafezinho em risco: como sombra de árvores ajuda planta a lidar com o planeta mais quente

Quem nunca, no meio de um dia escaldante, achou uma boa ideia tomar um cafezinho? Mas a bebida favorita do brasileiro está ameaçada justamente pelas altas temperaturas.

☕O Brasil é o maior produtor de café do mundo, com cerca de 80% da sua área focada na espécie arábica, que também é a mais sensível ao calorão.

Essa variedade precisa de um ambiente entre 18°C e 22°C. Só que, na safra atual, agricultores contam que teve dias em que o calor na lavoura chegou a bater 40°C. Isso faz o café abortar os frutos e atrai pragas e doenças. Além de deixar o produto mais caro.

Mas, calma: já tem gente trabalhando para salvar o seu cafezinho. Muitos produtores decidiram retornar às origens dessa cultura: plantar o café sob a sombra das árvores.

➡️ Este é o segundo episódio da série “PF: prato do futuro”, onde o g1 mostra soluções para desafios da produção de alimentos no Brasil.

Vantagens e desafios de sombrear o café

Existem duas formas de sombrear o café:

🌳as agroflorestas, em que o agricultor planta árvores de diversas espécies, juntamente ao café. Com isso, ele consegue ter mais de uma renda. Essa técnica é usada pelo casal de cafeicultores Pedro Berengani e Cristiane Ferreira, em Cerqueira César (SP).

🌳a agricultura regenerativa, em que os produtores podem aplicar diferentes métodos para recuperar a sustentabilidade da lavoura, sendo que uma delas é o plantio de árvores. É isso que fazem Francisco Sergio Lange, em Divinolândia (SP), e Guilherme Foresti, em Três Corações (MG).

Além de refrescar os pés de café, essas técnicas ainda deixam o café mais doce, porque prolongam o período de desenvolvimento do fruto.

Por outro lado, são sistemas caros e mais difíceis de serem aplicados do que o plantio a pleno sol, que é o mais popular. E podem gerar uma produtividade menor nos primeiros anos.

Mesmo assim, os cafeicultores ouvidos pelo g1 defendem seu uso. “As mudanças climáticas já são uma realidade, não adianta querer lutar com elas sem estar preparado, que a gente não vai ganhar. Nós temos que começar a pensar na sobrevivência”, resume Sergio Lange. 

Arte que mostra as vantagens de se usar o sombreamento na lavoura de café, segundo a pesquisa feita pela engenheira agrônoma Priscila Coltri, do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri).

Foto: Luisa Rivas / arte g1

Pleno sol x sombreado

Plantar árvores na lavoura nada mais é do que fazer com que o café volte às suas origens. Isso porque ele é originário da Etiópia, de áreas de sub-bosque, ou seja, sombreadas.

É o café continuou sendo plantado assim na Colômbia, terceiro maior produtor do fruto. Mas o Brasil, atual líder mundial, não adotou o modelo.

No país, foi aplicado o manejo a pleno sol, que é a lavoura apenas com os pés de café, explica Cesar Botelho, pesquisador especializado em melhoramento genético da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig).

Isso porque, na época em que o cultivo começou no Brasil, o calor não era tão intenso, por isso a temperatura não chegava a prejudicar o café. Era o oposto: ela aumentava a produtividade.

“Quando tem sol na temperatura certa e não tem sombra, a planta acaba fazendo mais sistemas internos, mais a fotossíntese e aí ela acaba florescendo mais, então a produção aumenta. Além de tudo, você passa a ter mais plantas por área”, explica a engenheira agrônoma Priscila Coltri, do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri).

Mas, desde a década de 70, cientistas já buscavam reproduzir variedades que fossem mais resistentes ao calor, lembra Botelho.

Agora, em meio às mudanças climáticas, replantar árvores nas lavouras se tornou uma estratégia para a sobrevivência dos cafeicultores.

“Por conta do clima, teve uma quebra de safra (produção menor) neste ano, porque os grãos não se desenvolveram tanto. Mas a gente sabe que os produtores que aplicam algumas das técnicas regenerativas sofreram menos com o calor e com a seca”, diz Tatiana Nakamura, especialista em café na Nespresso Brasil.

A empresa compra café plantado no sistema de agricultura regenerativa em uma fazendas visitadas na reportagem, a de Guilherme Foresti, em Três Corações (MG).

Não é só sair plantando árvore

No estudo de Priscila Coltri, da Cepagri, sobre o sombreamento do café, foi constatado que o ideal é ter 30% da lavoura preenchida com árvores.

Caso o manejo sombreado seja feito erroneamente, por exemplo, plantando árvores em excesso ou sem realizar a poda, as plantas podem competir com o cafezal por luz, água e nutrientes, acarretando uma queda na produtividade.

Produtores de café recorrem às agroflorestas para proteger produto do calor extremo — Foto: Reprodução

Produtores de café recorrem às agroflorestas para proteger produto do calor extremo — Foto: Reprodução

Essa perda acontece nos primeiros anos de instalação do sistema. No longo prazo, o sombreamento vai fazer com que o cafeeiro tenha folhas maiores, aumentando a área que terá contato com o sol para a fotossíntese.

Com isso, o tempo de maturação do fruto é maior, ou seja, a planta produzirá grãos grandes e com mais açúcares, elevando a qualidade da bebida e retomando a produtividade.

Dependendo do sistema escolhido, pode demorar até dez anos para isso acontecer.

O sombreamento é semelhante ao preparo de um alimento que cozinha em fogo baixo, compara Nakamura, da Nespresso. “(É como) Uma carne de panela. Então, você fica muito tempo cozinhando até chegar ao ponto”, exemplifica.

Em determinado tempo eu vou chegar lá. Só que na hora que chegar lá, eu vou chegar com um café sustentável, um café de altíssima qualidade, excelente bebida

Foto: Luisa Rivas / arte g1

E qual árvore plantar?

Para otimizar o cultivo, os cafeicultores estão optando por árvores que podem ter múltiplas funções na lavoura. Por exemplo, espécies que atraiam inimigos naturais de pragas que atacam o café, além de árvores que adubam o solo quando as folhas caem e geram uma renda extra para o agricultor.

“Isso vai impactar diretamente a nossa produção, porque, tendo um ambiente que é capaz de criar esses mecanismos de controle biológico natural (contra doenças), a gente vai ter que usar menos defensivo”, explica Pedro Berengani, produtor de café de agrofloresta em Cerqueira César (SP).

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Foto: Luisa Rivas / arte g1

O que são agroflorestas

Uma das formas de aplicar o sombreamento é por meio das agroflorestas. Nelas, os agricultores podem cultivar uma variedade de espécies em volta do café, aproveitando para diversificar a renda.

Pedro Berengani, de Cerqueira César (SP), tem a própria marca de café e ainda consegue uma segunda fonte de renda com a fabricação de móveis artesanais, a partir de árvores extraídas, como o louro-pardo.

Já as árvores frutíferas da propriedade dele não são voltadas para o comércio. “Se tudo que a gente plantar tiver que ser em nível comercial, aí é muita coisa, é muito trabalho para o produtor”, justifica.

“A agrofloresta é muito benéfica para a natureza, para o ser humano, mas é preciso a gente tirar a romantização, porque ela é muito trabalhosa”, afirma Cristiane Ferreira, responsável pela fazenda junto com Berengani.

Esse é um dos desafios da agrofloresta: conciliar o manejo, que é muito intenso, com os resultados”, afirma Ferreira.

Foto: Luisa Rivas/ arte g1

Para implementar uma agrofloresta, os produtores precisam se atentar, principalmente, a duas questões:

  • de qual forma será feita a colheita? Apesar de a colheita manual do café ser mais comum, é possível ter a mecanização também na agrofloresta, plantando as árvores com maior distanciamento entre os corredores de café, afirma Berengani;
  • qual será o tamanho do investimento? As agroflorestas exigem um alto custo inicial. A média é entre R$ 30 mil e R$ 40 mil por hectare, sendo que, em uma monocultura, o valor é entre R$ 20 mil e R$ 30 mil. O retorno pode levar até 10 anos, explica Ferreira.

O preço elevado se dá por causa das especializações técnicas necessárias e pelo custo da diversidade de espécies que devem ser plantadas.

Para Berengani e Ferreira, o custo compensou em meio às ondas de calor que atingiram a região onde fica o sítio do casal, em Cerqueira César (SP) , no primeiro semestre de 2024.

“A nossa lavoura ainda passou um pouco mais tranquila na comparação com quem não tem sombreamento, cobertura de solo e tem lavoura de monocultura. Mas não foi porque a gente tem agrofloresta que a gente deixou de sentir”, afirma o produtor.

Agrofloresta no Sitio Berelu, de Pedro Berengani e Cristiane Ferreira  em Cerqueira César (SP) — Foto: Stephanie Rodrigues/g1

Agrofloresta no Sitio Berelu, de Pedro Berengani e Cristiane Ferreira em Cerqueira César (SP) — Foto: Stephanie Rodrigues/g1

O que é a agricultura regenerativa

Outra técnica de sombreamento é a agricultura regenerativa, que vem se tornando cada vez mais popular entre os produtores.

Esse sistema pode ter uma menor variedade de árvores do que a agrofloresta. E nem toda produção que é considerada regenerativa trabalha com o sombreamento.

Lavoura de café regenerativo na Fazenda do Lobo, de Guilherme Foresti, em Três Corações (MG) — Foto: Stephanie Rodrigues/g1

Lavoura de café regenerativo na Fazenda do Lobo, de Guilherme Foresti, em Três Corações (MG) — Foto: Stephanie Rodrigues/g1

Por exemplo, o produtor Guilherme Foresti, de Três Corações (MG), que fornece café para a Nespresso, aplica diferentes técnicas em cada área da sua propriedade. Em alguns pontos, tem café sombreado. Em outros, planta a pleno sol, mas com cobertura de solo.

O sistema regenerativo ainda não possui um conceito fechado. As técnicas abaixo costumam ser adotadas pelos produtores.

Entenda como funciona a agricultura regenerativa

Foto: Luisa Rivas / arte g1

Por ser uma técnica com várias possibilidades diferentes de implementação, não é possível estipular quanto o produtor gastaria para começar com a agricultura regenerativa.

O real objetivo desse tipo de manejo é recuperar os ecossistemas de plantios que antes eram a pleno sol.

“Os produtores têm medo de entrar nesse processo e não ter o resultado que eles têm no (plantio) convencional. No começo, é isso mesmo, não vai ter, porque está mudando todo o sistema”, reconhece Sergio Lange, que adota a agricultura regenerativa para produzir café para exportação em Divinolândia (SP).

“Aí é onde entra, no caso do pequeno produtor, a organização dele no campo, que são as associações, cooperativas, que começam a trabalhar isso, que é lento”, explica.

Apesar da queda de produtividade no começo, ela tende a aumentar com o tempo. E também é possível ter menos gastos com agrotóxicos e fertilizantes.

O uso de herbicidas, por exemplo, seria entre 30% e 40% menor nesse sistema, estima a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

Para Lange, o grande legado da agricultura regenerativa é ensinar ao produtor a ter consciência ambiental.

Quando tudo está pronto, vem a fase de conservadorismo, ou seja, é preciso apenas realizar manutenções.

“Árvores, pássaros, tá tudo aqui. A minha área de reserva legal está pronta. Eu cumpri com a legislação ambiental do meu país. Eu sinto orgulho de ter feito isso. Esses 2 últimos anos, a gente deve ter plantado aqui mais ou menos umas 1.200 a 1.300 árvores”, diz Francisco Sérgio Lange, da Aprod.

Foto: Luisa Rivas / arte g1

Sérgio Lange, Cofundador Associação dos Cafeicultores de Montanha de Divinolândia (Aprod), abraça cafeeiro ao lado de árvore batizada com o nome da pesquisadora Madelaine Venzon. — Foto: Stephanie Rodrigues / g1

Sérgio Lange, Cofundador Associação dos Cafeicultores de Montanha de Divinolândia (Aprod), abraça cafeeiro ao lado de árvore batizada com o nome da pesquisadora Madelaine Venzon. — Foto: Stephanie Rodrigues / g1

Veja fotos de lavouras que usam a agricultura regenerativa

Agrofloresta, Sitio Berelu em Cerqueira César (SP)
Agrofloresta Sitio Berelu em Cerqueira César (SP) — Foto: Stephanie Rodrigues/g1
Guilherme Nogueira Foresti, administrador da Fazenda do Lobo em Três Corações (MG)
Guilherme Nogueira Foresti, administrador da Fazenda do Lobo em Três Corações (MG) — Foto: Stephanie Rodrigues / g1

3/13Eclipse em Três Corações (MG) — Foto: Stephanie Rodrigues / g1

4/13Flor do café — Foto: Stephanie Rodrigues/g1

5/13Fruto do café em maturação — Foto: Stephanie Rodrigues/g1

6/13Desenvolvimento de fungos e micro-organismos no solo — Foto: Stephanie Rodrigues / g1

7/13Café torrado no Sítio Berelu, em Cerqueira César (SP) — Foto: Stephanie Rodrigues/g1

8/13Plantas de cobertura na lavoura de café — Foto: Stephanie Rodrigues / g1

9/13Grão de café — Foto: Stephanie Rodrigues/g1

10/13Cobertura de solo na lavoura de café — Foto: Stephanie Rodrigues / g1

11/13Cobertura de solo na lavoura de café — Foto: Stephanie Rodrigues / g1

12/13Pedro Berengani, proprietário do Sitio Berelu — Foto: Stephanie Rodrigues / g1

13/13Café no pé — Foto: Stephanie Rodrigues / g1

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Foto: Bárbara Miranda | Arte g1

Créditos deste episódio da série ‘PF: prato do futuro’

  • Coordenação editorial: Luciana de Oliveira
  • Edição e finalização de vídeos: Stephanie Rodrigues
  • Narração: Stephanie Rodrigues
  • Reportagem: Vivian Souza
  • Produção: Vivian Souza
  • Roteiro: Vivian Souza e Stephanie Rodrigues
  • Coordenação de vídeo: Tatiana Caldas e Mariana Mendicelli
  • Coordenação de arte: Guilherme Gomes
  • Direção de arte e ilustrações: Luisa Rivas e Verônica Medeiros
  • Fotografia: Stephanie Rodrigues e Gustavo Waderley
  • Motion Design: Veronica Medeiros
  • Ilustrações: Bruna Rocha, Maria Laura Silva, Luisa Rivas e Thalita Santos

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