A gente vê essas catástrofes que estão ocorrendo… muitas vezes é (por) não preservar a natureza”, diz o pecuarista familiar Antônio Bonoto, que vive no Pampa gaúcho, em Alegrete (RS).
A mais de 3 mil km dali, no meio da Mata Atlântica, em Ilhéus (BA), a mesma ideia ecoa na voz do cacique Tupinambá Alicio Francisco: “Não desmata a cabeceira de água, que é a nossa vida. A gente, sem água, como é que nós vamos viver?”.
Os dois fazem parte de comunidades rurais que conseguiram recursos para preservar o meio ambiente, mostrando, na prática, como o financiamento climático está chegando no campo brasileiro.
O financiamento climático é o dinheiro investido em projetos que ajudam a diminuir as emissões de gases poluentes e a preparar territórios e sistemas produtivos para lidar com os impactos do aquecimento global, como secas e enchentes.
Esse é um dos temas centrais da COP30, a Conferência do Clima da ONU, em Belém. No evento, o foco dos países tem sido o financiamento para a conservação de florestas.
Mas, no Brasil, investir na agropecuária sustentável também é essencial para atingir metas climáticas. Afinal, ela responde por 28% das emissões de poluentes no país, depois do desmatamento.
Para isso, um dos desafios é fazer com que o “dinheiro do clima” chegue a pequenos produtores, grupo que hoje tem mais dificuldades para acessar recursos, seja por meio de incentivos e doações ou empréstimos.
No Sul e no Nordeste, conhecemos alguns caminhos. Nas cidades de Alegrete e Lavras do Sul (RS), pequenos pecuaristas recebem assistência técnica gratuita para recuperar a vegetação do Pampa, a partir de recursos de uma lei ambiental do estado
Em Ilhéus, a comunidade da Aldeia Tupinambá do Acuípe de Cima conseguiu um empréstimo pelo Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), do governo federal, para cultivar cacau reflorestando a Mata Atlântica
Recuperando o Pampa Gaúcho
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Imagem de uma propriedade em Lavras do Sul (RS) que teve o apoio do projeto de Recuperação de Biomas, que ensina pequenos pecuaristas a regenerarem a vegetação do Pampa. — Foto: Giaccomo Voccio/g1
O projeto que o g1 conheceu no Sul foi criado pela Federação dos Trabalhadores na Agricultura do RS (Fetag-RS), em 2018, com o objetivo de ensinar técnicas de regeneração do Pampa a pecuaristas familiares.
🔎 Entre 2015 e 2024, o Pampa perdeu 13.000 km² de vegetação nativa. Isso é praticamente nove vezes a cidade de São Paulo.
O projeto recebe recursos por meio de uma lei estadual de Reposição Florestal Obrigatória (RFO), que determina que empresas que desmatam compensem o impacto com o plantio de mudas, a compra de unidades de conservação para doação ao estado, etc.
Mas há uma opção específica para as empresas que constroem obras de interesse público, como estradas e aeroportos: a de investir em projetos de sustentabilidade aprovados pelo governo do RS. Um deles é justamente a iniciativa da Fetag.
Uma das empresas com dívidas ambientais que financia o projeto é a companhia de energia CPFL. “Para fazer a manutenção das nossas redes elétricas e implantar novos empreendimentos, a gente precisa, muitas vezes, suprimir vegetação”, diz Robson Tanaka, gerente de meio ambiente da companhia.
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A CPFL libera recursos para a Fetag, normalmente, a cada três meses, mediante prestação de contas.
O projeto começa com um pagamento inicial, mas as próximas parcelas são pagas após o envio de relatórios à CPFL e ao governo estadual que comprovem como o dinheiro foi usado no trimestre anterior.
A empresa também faz vistorias nas propriedades, enquanto o governo estadual emite o laudo final comparando o antes e o depois da área.
Nessa última etapa, a propriedade precisa ter tido um aumento no número de espécies nativas e na qualidade do solo.
“Se tu identificou 20, 30 espécies naturais do bioma Pampa na primeira visita, o projeto, no mínimo, vai ter que sair com 40 espécies”, explica José Mário Araújo Mafaldo, engenheiro agrônomo da Fetag/RS.
Desde 2019, o projeto já recuperou 7.070 hectares de campo nativo.




