Você tem um papel e uma caneta e precisa resolver a seguinte multiplicação: 27 x 87. Como você faria? E como multiplicaria 31 por 12?
Talvez a primeira fórmula que venha à sua mente seja aquela que aprendeu na escola, que organiza a primeira dezena em cima da segunda, e multiplica um número por vez. E vai estar correto.
Mas, nas redes sociais, vídeos que apresentam maneiras “mais simples” de resolver estes e outros cálculos têm viralizado, e este tipo de conteúdo pode levar a erros. (Veja ao final desta reportagem.)
Em um dos vídeos virais, a partir de uma fórmula identificada como “Índia”, os números são somados e multiplicados em uma ordem diferente da usada no Brasil. Em outra, rotulada como “Japão”, linhas e interseções ajudam a entender melhor o objetivo do cálculo.
E muita gente tem comentado: “Por que não aprendi antes?”, e: “Queria que tivessem me ensinado assim na escola.”
O g1 buscou entender se, afinal, essas fórmulas mais divertidas ou, no mínimo, diferentes, são mesmo uma alternativa àquela que os professores ensinam aqui no Brasil. Mas já adiantamos que não é bem assim.
Por que multiplicamos dessa maneira?
Antes de mais nada, é preciso esclarecer que Índia, Japão, China e outros países não necessariamente usam fórmulas diferentes da nossa para multiplicar.
Segundo os professores consultados pelo g1, existem, sim, outras fórmulas e métodos visuais para resolver uma multiplicação (entenda mais abaixo), mas a maneira mais utilizada e ensinada internacionalmente é a mesma usada no Brasil.
“Não usamos nosso método à toa. Ele é baseado na soma, com um algoritmo extremamente simples, que é aplicável para qualquer caso”, explica Igor Frade, professor de matemática da Escola SAP.
Além disso, o professor avalia que a maneira “clássica” de multiplicar é a única ensinada nas escolas do país porque dá a todos os alunos uma base de conhecimento comum, ao mesmo tempo que é uma lógica aplicável em todas as situações que demandam multiplicação.
Existem modelos, como o método de multiplicação hindu (também conhecido como método Veneza ou gelosia), além de outros processos [matemáticos]. E o que diferencia o nosso processo destes outros é justamente a usabilidade, por ter uma lei de formação que não precisa ser ajustada e funciona sempre.
— Igor Frade, professor de matemática.
Fórmulas virais funcionam?
Fórmulas “diferentonas” de multiplicação viralizam nas redes sociais. Saiba quais funcionam. — Foto: Reprodução/TikTok
Diferente da multiplicação clássica, algumas das formas virais da internet não funcionam tão bem quanto as imagens podem dar a entender.
“Na grande maioria, essas fórmulas são macetes que nem sempre são válidas para todos os casos. Normalmente, os produtores deste tipo de conteúdo pegam um caso específico, encontram um padrão para aquela situação e o apresenta como se fosse a salvação dos alunos”, analisa Willian Bala, professor de matemática do Colégio Franciscano Pio XII.
Segundo ele, não é porque dá certo com um exemplo específico que vai funcionar todas as vezes. Essa tática é muito comum na matemática, e é conhecida como modelagem.
Abaixo, entenda quais fórmulas são reais e quais são apenas modelagem.
Método “indiano”
Em um vídeo com mais de 18 milhões de visualizações, uma das fórmulas é identificada como “Índia” e induz o espectador a acreditar que o método é utilizado no país do sul asiático. No entanto, Igor Frade e Willian Bala concordam que o método só funciona para o exemplo mostrado nas imagens. Ou seja, não passa de uma modelagem.
O vídeo propõe a multiplicação de 27 por 87, e chega ao resultado correto com o seguinte processo:
- Passo 1: o último algarismo de cada número é multiplicado pelo outro. O valor encontrado representará os últimos algarismos do resultado.
- Passo 2: os primeiros algarismos são multiplicados entre si, e depois acrescenta-se ao resultado o valor do último algarismo do segundo número. O valor encontrado representará os dois primeiros algarismos do resultado.
- Assim, o resultado é composto pelo resultado da segunda parte do cálculo, seguida pelo resultado da primeira parte.
ou seja:
- 27 x 87
- 7 x 7 = 49 (os dois últimos algarismos do resultado)
- 2 x 8 + 7 = 23
- Resultado final: 2349
“O resultado é verdadeiro, mas o processo é falso. Apesar de o cálculo ter funcionado para este conjunto de números, não vai funcionar para todos os outros conjuntos. E também não funciona para números de três algarismos ou mais”, explica Igor Frade, da Escola SAP.
Para exemplificar, ele propõe outro exemplo.
- 35 x 76
- 5 x 6 = 30
- 3 x 7 + 6 = 27
- Resultado final: 2730
“Neste exemplo, o resultado encontrado é falso. Matematicamente, a razão de 35 x 76 é 2.660, então, o método falhou”, completa o professor.
Método “japonês”
Em outro vídeo com milhares de visualizações, o cálculo proposto é 31 x 12. Um dos processos utilizados é chamado de método japonês, também conhecido como método Maia.
Igor Frade explica que esse é um método real, e se baseia em uma tática visual que não exige um algoritmo. Ou seja, ele é utilizado para organizar a expressão de uma maneira visual. E funciona assim:
- De maneira simples, são traçadas linhas horizontais transpassadas por linhas verticais (e diagonais, em casos de números com 3 algarismos) de acordo com o valor de cada algarismo.
- Passo 1: são feitas três linhas horizontais mais próximas e uma linha horizontal mais afastada, representando o 31, cotadas por uma linha vertical afastada de outras duas linhas verticais próximas, que representam o 12.
- Passo 2: cada interseção é contada e anotada na respetiva ponta da estrutura. Neste caso, a imagem possui quatro cantos de interseção, portanto serão encontrando quatro números. São eles: 3, 6, 1 e 2.
- Passo 3: como este é um caso a multiplicação de números com dois algarismos que vai resultar em um número de três algarismos, é preciso somar o número na ponta superior direita (6) com aquele encontrado na ponta inferior esquerda (1).
- Resultado final: 372.
Apesar de funcionar, a multiplicação japonesa ou maia não é tão simples quanto parece e exige duas considerações:
- O exemplo do vídeo usa números compostos por algarismos pequenos (1, 2 e 3), mas quanto maiores forem os algarismos, mais complexo será o cálculo. Isso faz diferença porque serão necessárias mais linhas transversais, que vão ocupar mais espaço e exigirão mais tempo do estudante para contar todas as interseções. Se o método for aplicado em uma prova com um espaço muito limitado, o método pode até ser comprometido caso as linhas fiquem muito próximas. Além disso, o aluno pode perder a conta em algum momento, o que pode comprometer o tempo.
- Outro ponto é que o método demanda uma adaptação cada vez que o número de casas decimais dos resultados aumenta. Por exemplo, em um cálculo de 67 x 38, apenas na parte de 7 por 8 serão encontradas 56 interseções. Como essa é uma casa de unidade, o 6 permanece como parte do resultado final, mas o 5 precisa ser somado junto à casa de dezenas, e assim sucessivamente sempre que o resultado for maior que 9. Algo parecido acontece na fórmula clássica, já que, quando o resultado de uma soma é maior que 9, a casa da dezena é jogada para cima — mas no método visual, isso por si só pode comprometer a organização e a busca pelo resultado.
Método “chinês”
O método de cálculo chinês também é real, e ele nada mais é do que uma fragmentação da multiplicação de maneira a permitir uma compreensão mais prática dos números.
Ela geralmente é usada — inclusive aqui no Brasil — como tática para resolver os cálculos mentalmente.
Ela é organizada da seguinte maneira, usando o mesmo exemplo de 31 x 12:
- Passo 1: o número é desmembrado para facilitar a multiplicação. Neste caso, 12 vira 10 + 2.
- Passo 2: Em seguida, os números são reorganizados como (31 x 10) + (2 x 31). Os valores são os mesmos, mas, ao invés de propor a multiplicação do 31 por 12, ele é multiplicado primeiro por 10, e depois por 2. Isso simplifica a compreensão dos valores porque multiplicar por 10 é consideravelmente mais fácil para o cérebro.
- Passo3: o cálculo continua com (310) + (62), que totaliza 372.
‘Riscos’ dos vídeos virais
Apesar de serem conteúdos amplamente difundido nas redes sociais, vídeos que mostram métodos matemáticos “alternativos” como estes podem representar um risco, segundo os professores ouvidos pelo g1.
“De repente, as pessoas veem esses vídeos e se convencem de que podem substituir aquilo que aprenderam na escola por esses macetes. Em uma prova, isso é o suficiente para fazer o estudante ter um desempenho ruim”, alerta Igor Frade.
Willian Bala é ainda mais incisivo e diz que é preciso duvidar de conteúdos como este, que são colocados como verdade absoluta, sem qualquer menção de que pode se tratar apenas de casos específicos.
E, se por um lado, esse conteúdo desperta a curiosidade dos jovens, podendo inspirar algum interesse pelos números, por outro, pode passar a ideia de que o que é ensinado na escola é propositalmente mais complicado ou desinteressante.
“Os vídeos são feitos daquele jeito para gerar engajamento na internet, são uma verdade incompleta. E explicar estes casos em sala pode confundir o aluno ainda mais. Então, o que podemos fazer é ensinar o que é certo, que vai funcionar todas as vezes, e recomendar atenção”, finaliza o professor.
Fonte: G1